Dor nas raízes, dor na alma. Quantas vezes fomos obrigadas a mudar a textura do nosso cabelo para nos adequarmos aos padrões de beleza impostos pela sociedade? Quantas vezes fomos submetidas a processos dolorosos e demorados para alisar o cabelo, apenas para que ele voltasse à sua forma original com um
simples pingo de chuva? Passamos por isso, geração após geração. A pressão para se adequar aos padrões
de beleza eurocentrados pode ser esmagadora, levando a uma falta de autoaceitação e autoestima.
Nossos cabelos crespos são uma característica única e especial que nos define como indivíduos. A forma
como nossos cabelos crescem é determinada pela estrutura da raiz do cabelo e pela maneira como as
células do cabelo se desenvolvem e se organizam.
Mas há uma verdade importante que descobrimos: o cabelo é uma parte de quem somos. E aceitá-lo é fundamental para a nossa autoestima e identidade. Quando começamos a aceitar e amar nossos cabelos
naturais, começamos a nos sentir mais confiantes e seguras de nós mesmas. Nossos cabelos são uma
conexão com a nossa história e cultura. É uma forma de nos conectar com nossas raízes africanas e com a
resistência ao sistema de escravidão que tentou apagar a nossa identidade.
As tranças, por exemplo, são uma forma de expressão cultural e de resistência que tem sido usada por
gerações de mulheres negras. Durante a época da escravidão, as tranças eram usadas para:
- Comunicar mensagens e planos de fuga entre os escravos
- Proteger seus cabelos do sol, do vento e de outros elementos naturais
- Manter sua identidade cultural e herança africana
- Resistir à opressão e ao sistema escravista
Mas as tranças também são mais do que isso. São um momento de afetividade, um momento de conexão
entre gerações. Quando uma mãe ou avó trança os cabelos de sua filha ou neto, está não apenas criando um
estilo, mas sim compartilhando amor, cuidado e tradição. É um momento de intimidade e compartilhamento, onde a criança se sente segura e amada.
Agora, procuramos trazer essas reflexões para a forma como usamos nossos cabelos. Seja com tranças ou
soltos,sabemos que somos rainhas, princesas, mulheres fortes e orgulhosas da nossa herança. E queremos
que nossos filhos e filhas cresçam sabendo disso também. Que eles sejam ensinados a amar e respeitar
seus cabelos naturais, sem medo de ser julgados ou rejeitados.
A Libertação
Demoramos muito tempo para chegar a esse ponto, mas agora sabemos que somos lindas, que somos
fortes, que somos capazes. E queremos que todas as outras mulheres que passaram por isso também
saibam disso. Como disse Chimamanda Ngozi Adichie, “Eu aprendi a gostar do meu cabelo, a gostar da
sua textura, da sua forma, da sua cor. E eu aprendi a ver a beleza nele, a beleza que ele tem em si mesmo,
independentemente dos padrões de beleza que a sociedade impõe.” É hora de nos libertarmos desses
padrões e de celebrar a nossa beleza natural.
Essa é a nossa jornada com cabelos crespos. Uma jornada de dor, luta e libertação. Mas é também uma
jornada de autoaceitação, autoestima e empoderamento. E é uma jornada que vale a pena ser contada.
Sugestão de leitura:
- “A Política do Cabelo” de Chimamanda Ngozi Adichie – um ensaio poderoso que explora a questão da
identidade negra e da autoaceitação, incluindo a questão dos cabelos crespos.

Tay Oliveira é pedagoga com pós-graduação em Psicopedagogia, poetisa e escritora. Com obras publicadas em antologias como ‘Mapeam 2024’ e ‘Além das Palavras 2025’, sou também participante e idealizadora do Sarau Libertários, um espaço de expressão artística e literária. Como colunista semanal do blog Horadosabbat , compartilho reflexões e pensamentos sobre cultura, arte e sociedade.”