A gente anda pelas ruas, visita museus de História, descansa em praça pública, contempla monumentos, busca logradouros no GPS e eles estão lá: os nomes dos homens que deram sua contribuição aos eventos históricos que nos constituíram enquanto nação.
O bandeirante, o soldado, o revolucionário, o mártir. O artigo, flexível no gênero, é inflexível na denúncia: os homens são os mais lembrados na hora de contar a História. Este é um dos motivos que torna o livro que trago para esta coluna tão especial.
Rosas de Chumbo, de Daniela Bonafé, recentemente lançado no Selo Praga da Toma Aí Um Poema, se propõe a um bonito e doloroso resgate da memória das mulheres que ousaram enfrentar a ditadura civil militar instituída no Brasil em 1964.
As mulheres têm outro jeito de fazer as coisas, eu acredito nisso, não se trata de capacidade, mas de método, e isso se revela muito na forma como a autora pensou esta reconstrução dos caminhos das mulheres vítimas do Estado autoritário brasileiro, criando para elas um lugar de humanidade.
Todo pedestal impõe uma solidão, aparta o ser elevado, o coloca como uma exceção, o destaca no meio da multidão, como se dissesse, aquele não é um de nós e, assim, nos afasta do homenageado.
Bonafé ficcionalizou e recriou as biografias de algumas das mulheres que lutaram contra a ditadura, ela não as isolou preferiu reuni-las, deu a elas, cada uma a um modo, um meio de sobreviver, senão pelo corpo, pela memória, e agora elas estão juntas nestas páginas e não mais sozinhas em alguma vala que jamais pôde ser encontrada.
Na introdução, a autora afirma: “Para os dias sombrios, como os que se sucederam nos últimos anos, é preciso a determinação de um cachorro roendo o osso para fazer a democracia sobreviver. A militância pela justiça, pela liberdade, pelo fim das desigualdades, pelos direitos humanos é uma prerrogativa na vida daquelas e daqueles que desejam um mundo melhor”.
Eu adoro repetir o clichê de que a literatura é campo aberto das possibilidades, e neste livro entendemos bem a força dessa verdade, seja pela forma ousada com que a autora organizou seus textos, sem apego a formas pré-concebidas, seja pela estrutura que vai situando o leitor no tempo através de fatos alheios à barbárie que vigia: isto aconteceu enquanto Pelé vestia pela última vez a camisa do Brasil ou, enquanto isso a NASA mandava pesquisadores para averiguar alienígenas no Rio de Janeiro.
Assim, a ditadura, o assassínio e o desaparecimento de militantes de oposição por agentes públicos fica mais palpável, habita um lugar mais possível no imaginário de quem lê, porque faz entender que a vida não parou porque tinha estudante sendo torturada, estuprada e morta com a permissão do Estado.
“Vê como se mata
flores, mulheres e sonhos?
Basta alguns deles.”
Apesar do peso, há muita delicadeza neste livro que revisita o passado destas mulheres que é também o passado deste país, ao reinventar suas histórias Daniela Bonafé eterniza seus nomes e as coloca no presente, entre nós. Leitura mais do que recomendada, necessária.
Um abraço!
Onde encontar Rosas de Chumbo? https://loja.tomaaiumpoema.com.br/rosas-de-chumbo-daniela-bonafe?fbclid=PAZXh0bgNhZW0CMTEAAadC8paBT40Gb7nw4N1riy6GyeJAgNfVRV0aKD8MJMmxepg9oaNmJjplFX8mKg_aem_38BT1QKKZL1QLcSvkovTZA
Saiba mais sobre Daniela Bonafé: https://www.danielabonafe.com.br/

Monique Bonomini é Autista, mãe de 2 atípicos, graduada em Direito e História, atua com leitura crítica e revisão. Autora de “Abismos para evitar ruínas” e “De onde você tira essas ideias?” . É uma das coordenadoras do Coletivo Escreviventes.