Muito antes das hashtags e dos discursos virais sobre igualdade de gênero, cinco mulheres incríveis já estavam fazendo história nos palcos, nos estúdios e na sociedade brasileira. Elas cantaram com alma, viveram com coragem e enfrentaram de frente o racismo, o machismo e os estigmas sociais de suas épocas.
Vem conhecer (ou lembrar) cinco cantoras que marcaram a música brasileira e deixaram um legado de arte e luta.
Elza Soares: A mulher do fim do mundo
Elza Soares não apenas fez história — ela foi um acontecimento histórico. Mulher preta, nascida na favela, vítima de violência doméstica e de preconceito durante toda a vida, Elza transformou a dor em arte e se tornou um símbolo de resistência.
Em suas músicas, denunciou as injustiças sociais e raciais com força e originalidade. No clássico “A Carne”, ela escancarou a desigualdade com a frase que virou lema:
“A carne mais barata do mercado é a carne negra”
Mesmo nos últimos anos de vida, com mais de 80 anos, Elza lançou álbuns inovadores, como A Mulher do Fim do Mundo, mostrando que lutar nunca teve prazo de validade.
Clara Nunes: A força do sagrado feminino no samba
Clara Nunes foi uma das vozes mais importantes do samba — e a primeira mulher a vender mais de um milhão de discos no Brasil. Ela também foi pioneira ao trazer elementos da cultura afro-brasileira para o mainstream, com respeito e profundidade.
Sua fé no candomblé, sua ligação com o samba de raiz e seu posicionamento político em plena ditadura militar fizeram de Clara um símbolo de empoderamento feminino e cultural.
“O mar serenou quando ela pisou na areia / Quem samba na beira do mar é sereia”
Clara sambou contra o preconceito — e abriu caminho para outras mulheres se reconectarem com suas raízes.

Clementina de Jesus: A voz da ancestralidade
Clementina começou a carreira artística tardiamente, aos 60 anos, depois de décadas trabalhando como empregada doméstica. Mas nunca é tarde quando a voz carrega séculos de história.
Sua maneira de cantar ecoava os cantos africanos, o jongo, o lundu — sons que quase desapareceram do mapa. Com sua presença forte e voz única, Clementina trouxe à tona a musicalidade negra que foi invisibilizada por tanto tempo.
“Clementina, cadê você? / O povo pergunta, o povo quer saber!”
A resposta? Clementina está em cada batida de tambor, em cada canto de resistência, em cada mulher preta que se recusa a ser apagada.

Elis Regina: A intensidade como forma de luta
Elis Regina não passava despercebida. Sua voz, sua postura crítica e sua entrega total no palco fizeram dela um dos maiores nomes da música brasileira. Mas ela não se contentou em cantar bem — queria cantar com verdade.
Em plena ditadura, Elis escolheu repertórios politizados, confrontou autoridades e expôs os sentimentos de um país sufocado. Seu grito embutido em “Como Nossos Pais” ainda arrepia:
“Mas é você que ama o passado e que não vê / Que o novo sempre vem”
Elis era o novo. Era mulher, era mãe, era coragem em forma de melodia.

Dolores Duran: Amor, dor e liberdade feminina
Com voz suave e composições profundas, Dolores Duran rompeu padrões da música romântica nos anos 1950. Escrevia suas próprias letras — algo raro para mulheres na época — e falava de amor com autonomia, sem submissão.
“Hoje eu quero a rosa mais linda que houver / E a primeira estrela que vier”
Morreu jovem, aos 29 anos, mas deixou um legado que influenciou toda uma geração de cantoras e compositoras brasileiras.

Elas Cantaram. Elas Lutaram.
Essas cinco vozes femininas não foram apenas artistas. Foram mulheres que usaram a arte para desafiar a ordem, para resgatar histórias apagadas, para dizer que não há liberdade sem igualdade.
Hoje, seus nomes brilham na história — mas continuam ecoando nas lutas atuais. Afinal, se a música é uma forma de expressão, elas fizeram dela um grito por justiça.
Que continuemos cantando. Que continuemos lutando.
E que nunca nos faltem vozes como as delas.

Renata Luiz, publicitária e idealizadora do Jardim Elétrico, é embaixadora do WME e apaixonada por shows e descobertas sonoras. Por meio da escrita, impulsiona a cena independente brasileira e compartilha novas experiências musicais.