Nos palcos do Sertão ao coração do Recife, uma mulher grita — e seu grito é canto, é corpo, é silêncio que reverbera há quase noventa anos. Em Yerma Atemporal, a atriz, diretora e pesquisadora Simone Figueiredo transforma o clássico de Federico García Lorca em um gesto radical de escuta e presença. Com dramaturgia ancorada nas dores e potências do Nordeste brasileiro, a peça atualiza o trágico para falar de escolhas, maternidade, autonomia e desejo, sem abrir mão da poesia que atravessa o tempo.
Tive o prazer de entrevistar Simone nos bastidores dessa montagem intensa e necessária. Falamos sobre os caminhos de uma mulher transgressora desde a juventude, sobre a decisão de não ser mãe e de seguir a arte como escolha de vida, sobre o respeito como ponte entre as alianças femininas e a presença ética dos homens no teatro.
“Eu tenho uma dor que não está mais na minha carne”, diz Yerma em cena — e talvez seja essa a essência que Simone quis traduzir: a dor coletiva que permanece mesmo quando o corpo cala. Em um Brasil onde o silenciamento ainda é regra para tantas de nós, Yerma Atemporal é sopro e denúncia, é poesia que insiste.

A seguir, compartilho a entrevista completa com Simone Figueiredo. Que suas palavras possam nos tocar com a mesma força com que sua obra tem tocado os palcos por onde passa.
Sarah Mascarenhas: Se a menina que você foi encontrasse a mulher que você é hoje, o que diria uma à outra? A mulher realizou os sonhos da menina? E que sonhos a menina nem sabia que sonhava, mas a mulher ousou viver?
Simone Figueiredo: “Você sempre foi uma transgressora, menina” rsrss
Sou da geração X tenho influência direta da Contracultura, da liberdade de pensamento e expressão.
Sou filha de militar, estudei em Colégio tradicional de Freiras (Damas), mas desde cedo questionava tudo em relação ao papel da mulher na sociedade.
Nunca pensei que abandonaria a Arquitetura pelo Teatro, foi uma das coisas que ousei. Isso no final dos anos 80.
Segui Madonna ” Express yorself rsrss
Tive a sorte de conviver com grandes Mestres: Jomard Muniz de Britto, Ariano Suassuna, Antunes Filho, por exemplo.
Sarah Mascarenhas: Yerma Atemporal nasce do entrelaçamento entre tragédia clássica e realidade contemporânea. Como foi o processo de transmutar um texto espanhol de quase 90 anos numa dramaturgia enraizada no Nordeste e, ao mesmo tempo, universal na sua dor e denúncia?
Simone Figueiredo: Desde os 18 anos que reflito sobre o feminismo, igualdade de espaço na sociedade, a força ancestral feminina, entre outras coisas.
Sempre gostei de ler, estudar, questionar.
O machismo da sociedade brasileira, nordestina em especial, sempre me incomodou.
O teatro me proporcionou ter muitas identidades e refletir sobre elas. É uma vivência transgressora.
Quando García Lorca escreveu a trilogia trágica da qual Yerma faz parte, foi pensando na sociedade espanhola, conservadora, católica e opressora. Foi o modo que o poeta espanhol encontrou para denunciar o silêncio imposto as mulheres. Lorca foi assassinato no início da ditadura do General Franco por ser homossexual.
Lorca nasceu no Sul da Espanha que tem muitas semelhanças com o NE Brasileiro.
Terra seca, árida, uma sociedade campesina onde o papel da mulher era procriar, gerar filhos para o país.
Mas, também, é onde a influência cigana, das preces e religiosidade se assemelham com as benzedeiras nordestina, com a Fé nos Santos Católicos e a referência em Nossa Senhora.
Muitas proximidades entre as duas sociedade. Ariano Suassuna tem Lorca e no Teatro da época de Ouro Espanhol, em Miguel de Cervantes, entre outros, suas grandes influências literárias.
Sarah Mascarenhas: Maternidade, no seu espetáculo, não é apenas um tema: é território simbólico, é abismo e é busca. O que significa, para você, colocar no centro da cena uma mulher cujo desejo de ser mãe se choca com as pressões e silenciamentos históricos?
Simone Figueiredo: Como outras mulheres da minha geração optei por não casar e não ter filhos, apesar de ser de uma família tradicional e extremamente católica.
Quando minha irmã mais velha casou na igreja com traje de noiva e toda a tradição, olhei para minha mãe e disse: se realize, porque não quero isso para mim.
Optei por ser independente, estudar, viajar e curtir a vida.
Amo crianças, mas nunca quis ter uma pessoa dependente de mim.
Tive um relacionamento com um escritor, teatrólogo e professor universitário por 28 anos. Cada um na sua casa, mas éramos inseparáveis.
Quando o meu relógio biológico estava em alerta, conversamos e ele falou: se você quiser, teremos um filho.
No final, o trabalho sempre foi o meu maior compromisso e optei por ele.
A mulher tem direitos sobre o seu corpo e a sociedade em geral tem que aprender a respeitar as escolhas de nós mulheres.
Até hoje me perguntam por que não tive filhos, em pleno século XXI ainda somos julgadas. Quis trazer essa é outras reflexões importantes sobre nós mulheres.
Sarah Mascarenhas A fisicalidade, a percussão e o canto expandem a cena para além do texto. Como a música e a sonoridade funcionam como linguagem e discurso em Yerma Atemporal? Que silêncios você decidiu não romper — e que ruídos fez questão de amplificar?
Simone Figueiredo: O trabalho de ator se renova quando ele se permite experimentar, propor, transgredir em cena.
O poema trágico Yerma de Lorca possibilida essas experiências sensorias
A poesia não envelhece. O silêncio muitas vezes incomoda mais que um grito.
Os ruídos das mulheres em Yerma transcendem o grito primal, a hipocrisia social, a dor física e espiritual. Tem uma fala de Yerma que na tradução fiz questão de manter por ser poética e muito representativa para mim:
Eu tenho uma dor que não está mais na minha carne.
Sarah Mascarenhas: Maternidade, no seu espetáculo, não é apenas um tema: é território simbólico, é abismo e é busca. O que significa, para você, colocar no centro da cena uma mulher cujo desejo de ser mãe se choca com as pressões e silenciamentos históricos?
Simone Figueiredo: Como outras mulheres da minha geração optei por não casar e não ter filhos, apesar de ser de uma família tradicional e extremamente católica.
Quando minha irmã mais velha casou na igreja com traje de noiva e toda a tradição, olhei para minha mãe e disse: se realize, porque não quero isso para mim.
Optei por ser independente, estudar, viajar e curtir a vida.
Amo crianças, mas nunca quis ter uma pessoa dependente de mim.
Tive um relacionamento com um escritor, teatrólogo e professor universitário por 28 anos. Cada um na sua casa, mas éramos inseparáveis.
Quando o meu relógio biológico estava em alerta, conversamos e ele falou: se você quiser, teremos um filho. No final, o trabalho sempre foi o meu maior compromisso e optei por ele.
A mulher tem direitos sobre o seu corpo e a sociedade em geral tem que aprender a respeitar as escolhas de nós mulheres.
Até hoje me perguntam por que não tive filhos, em pleno século XXI ainda somos julgadas. Quis trazer essa e outras reflexões importantes sobre nós mulheres.
Sarah Mascarenhas: A fisicalidade, a percussão e o canto expandem a cena para além do texto. Como a música e a sonoridade funcionam como linguagem e discurso em Yerma Atemporal? Que silêncios você decidiu não romper — e que ruídos fez questão de amplificar?
Simone Figueiredo: o trabalho de ator se renova quando ele se permite experimentar, propor, transgredir em cena.
O poema trágico Yerma de Lorca possibilida essas experiências sensoriais
A poesia não envelhece. O silêncio muitas vezes incomoda mais que um grito.
Os ruídos das mulheres em Yerma transcendem o grito primal, a hipocrisia social, a dor física e espiritual. Tem uma fala de Yerma que na tradução fiz questão de manter por ser poética e muito representativa para mim:
Eu tenho uma dor que não está mais na minha carne.
Sarah Mascarenhas: Você está à frente de uma equipe majoritariamente feminina. Quais alianças femininas sustentam essa obra — não só na cena, mas nos bastidores, na produção, na decisão? E como se dá a presença dos homens nesse processo?
Simone Figueiredo: Creio que a admiração e respeito ao trabalho das mulheres em Yerma Atemporal são fundamentais. São grandes profissionais que admiro muito. Existe confiança e unidade nas propostas de cada profissional. Um trabalho coletivo, onde as opiniões foram levadas em conta resultando realmente num trabalho coletivo.
Os homens são grandes profissionais. Convidei Paulo de Pontes para dirigir comigo, ele disse: você tem tudo na cabeça, mas sem seu talento, profissionalismo e sensibilidade, o espetáculo não seria o mesmo. Paulinho é um grande artista, sempre é convidado a trabalhar em São Paulo onde morou por 13 anos
Agora mesmo vai trabalhar por 6 meses com Aimar Labaki em seu novo espetáculo.
Conheço e trabalho com Paulinho desde a década de 80. Um amigo irmão que o teatro me deu.
Douglas Duan, Diretor Musical é de uma sensibilidade ímpar. Seu talento também é muito reconhecido.
O segredo da união da parceria entre mulheres e homens eu diria ser o respeito e a sensação de todas, todos, todes
Sarah Mascarenhas: Hoje, como você reconhece um homem aliado no teatro? Que atitudes e posturas mostram, de fato, uma escuta feminista, uma presença colaborativa e ética no fazer teatral?
Simone Figueiredo: Sim, Paulo de Pontes. Ele soube escutar cada mulher no processo de criação do espetáculo. Ele diz que aprendeu muito com as mulheres de Yerma Atemporal.
E isso é visível quando se assiste o espetáculo.
Sarah Mascarenhas: Depois de Arcoverde, Recife, Caruaru e Garanhuns — e com os passos futuros no Nordeste e em São Paulo — que tipo de reverberação você espera que Yerma deixe nos corpos e corações do público? Que incômodos você deseja plantar?
Simone Figueiredo: já observamos isso, conheci mulheres que nunca tinham ido ao teatro (classe média) e que choraram por se identificarem com o problemas que o espetáculo apresenta, sem serem panfletários.
O meu objetivo maior é dar voz às mulheres, permitir que elas se coloquem diante dos silêncios impostos pela sociedade ainda conservadora e machista.
PE é o estado brasileiro que mais mata mulheres . É um absurdo o retrocesso que vivemos desde a pandemia. Não podemos silenciar.
Há várias maneiras de matar as mulheres: as diferenças financeiras, a falta de respeito intelectual (as mulheres são maioria nas Universidades e Escolas Públicas) o desrespeito às mulheres por sua sexualidade, entre outros.
O direito de ir e vir tem que realmente ser respeitado. Acho que mais mulheres na política Política com P maiúsculo pode contribuir para a mudança social.
Serviço
Yerma Atemporal
16 e 17 de maio (sexta e sábado), às 20h – aberto ao público geral
24 de maio (sábado), às 20h – aberto ao público geral
25 de maio (domingo), às 19h – sessão para convidados
Estação da Cultura (Av. Zeferino Galvão, 119 – Santa Luzia, Arcoverde)
Teatro de Santa Isabel (Praça da República – Santo Antônio, Recife)
Ingressos:
Arcoverde – entrada gratuita, com retirada de ingresso uma hora antes no local
Recife – R$ 60 (inteira) / R$ 30 (meia) – À venda no Sympla

Sarah Mascarenhas é jornalista no rádio e criadora do programa Hora do Sabbat, onde escuta e amplifica vozes de mulheres nas artes e na vida. Produz conteúdos com afeto, estratégia e compromisso com a transformação.
Sarah Mascarenhas é jornalista no rádio e criadora do programa Hora do Sabbat, onde escuta e amplifica vozes de mulheres nas artes e na vida. Produz conteúdos com afeto, estratégia e compromisso com a transformação.