É preciso imaginar Penélope feliz.

Sozinha

Penélope desfia

Desafia

(Abutres, o filho, a multidão)

Mas os deuses aplaudem Ulisses.

(Luiza Romão)

Milênios depois. Todo dia abrimos os olhos na mesma data. 

É sempre um dia a mais. É sempre um dia a menos. 

Desfazendo nós, desfiando trapos. 

Cada ideia que se desmancha é mais um ponto nas entrelinhas. 

E entre as linhas da vida, fazemos o possível para não nos perdermos em nós.

Enquanto a lua atravessa o céu, somos atravessados por uma escuridão, em que se esconde tudo aquilo que não pudemos ser. Mas lá vem o sol. E cada possibilidade renasce à espera da nossa resposta. Pelo sim, pelo não, continua, continua…

E continuamos. Pelo sim. Pelos nãos.

Tentando entender o que ainda não conhecemos. 

Buscando conhecer o que jamais entenderemos. 

Dia após dia, mostrando para a vida que somos nós que mandamos e desmandamos. 

Até mesmo dar dois passos para trás pode ser um avanço.

A vida não é feita de escolhas, mas de renúncias. 

Do ônibus que perdemos, da água que rejeitamos, 

dos compromissos não marcados, das chuvas que evitamos. 

Somos feitos de negativas, dos retalhos que desfiamos e das palavras que apagamos. 

Das dores que renunciamos ao choro que engolimos. 

Das mentiras que contamos às verdades que omitimos.  

Imagem: Canva

E é melhor assim. O privilégio do imprevisível. Pensar que em uma madrugada, tudo pode mudar, seja lá o que for “tudo”.

Ninguém está pronto para “tudo”. 

Então nos resta saber o que fazer com o nada que nos é dado diariamente.

E, no fundo, sabemos,

Não sabemos?

Respostas de 2

  1. Nossa, eu adorei essa perspectiva com essa imagem forte da Penélope fazendo e desfazendo os nós durante as noites.
    Em uma madrugada pode tudo mudar! E não é que é isso mesmo que acontece todos os dias?
    A gente se renova, se desfaz de tantas coisas nesse trânsito noturno…
    Uau, me deixou muito reflexiva, eu amei!

    Parabéns pelo texto! ❤️

  2. Penélope,

    Sempre quis voltar a vós.
    Por toda minhas viagens foi o retorno à Itaca, a seus braços e a nosso filho que me guiou.

    Sim. Tive desventuras, contadas como aventuras, mas todos os meus amigos marinheiros pereceram.

    Sim. Mesmo quando estive longe de vós. A angústia me consumia. É sim. Foste a melhor esposa que um homem poderia imaginar. Não a toa virou arquétipo por 2 milênios.

    Suas desventuras também deveriam ser contadas. Sobre como enganou os pretendentes, um a um, como governou sua casa e o reino ante a dilapidação e a invasão.

    Sobre como suportou com bravura noite a após noite desfazendo o tear e imaginando mil sonhos de retorno a glória de sua casa. Pois a Odisseia não é apenas a história de Odisseu. Mas a tenacidade de Penélope ante ao inimaginável; as tentações, para fazer sua escolha triunfar.

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