Joyce Alane fala sobre forró, ancestralidade e o lugar da mulher nordestina na música brasileira

Conheci Joyce Alane nos bastidores do Carnaval de 2024, no Paço do Frevo. Eu estava como produtora da Doralyce e dividimos o camarim com ela. Joyce parecia tímida, recolhida — mas havia algo no seu silêncio que já anunciava presença. De lá pra cá, vi essa artista crescer com consistência, se firmar com força e ocupar cada vez mais espaços de visibilidade. Em 2025, ela integra o projeto “Só Elas”, da Globo Pernambuco, que celebra as mulheres no comando do forró durante o ciclo junino — tempo de festa, raiz e resistência.

É o segundo São João consecutivo em que vejo Joyce despontar como uma das grandes representantes da música popular nordestina. Com corpo, voz e atitude, ela honra o forró com frescor e ancestralidade. Nesta entrevista para a Hora do Sabbat, Joyce fala de suas origens, dos desafios de ser mulher no mercado musical, da potência política da arte e da necessidade de políticas públicas que sustentem sonhos como o dela. Vida longa à sua caminhada — e que sua música siga sendo casa para tantas outras.

Sarah: Se a menina que você foi encontrasse a mulher que você é hoje, como seria esse encontro?
Joyce: Seria um encontro de muita gratidão. Eu errei muito, sigo errando, a gente sempre tem o que melhorar, mas também aprende com esses erros, com novas atitudes e experiências. Foi graças à menina que eu fui — que enfrentou o medo, que lançou sua primeira música mesmo com insegurança — que hoje eu estou aqui. Então seria um encontro de agradecimento, pelos passos que ela teve coragem de dar.

Sarah: Sua arte carrega a força do forró, das danças populares e da poesia nordestina. O que isso significa pra você?
Joyce: Às vezes me pergunto se estou fazendo o suficiente pra representar minha cultura. Mas tenho muito orgulho de ser daqui, falo isso nas entrevistas, nas músicas, carrego o sotaque com muito amor e não abro mão. Representar o Nordeste, Pernambuco, é uma alegria e um desafio. Precisa de pé no chão, de respeito e honra às raízes. E eu faço isso com prazer.

Sarah: Você sente que o Brasil escuta a mulher nordestina com atenção e respeito?
Joyce: A gente ainda sofre muito com estereótipos e preconceitos. Acham que todo mundo aqui fala igual, canta igual, como se o Nordeste fosse um bloco só. Além disso, tem a questão da sexualização do corpo feminino, a pressão estética. Comentários como “você só vai crescer se sair do Nordeste” ainda aparecem, e isso me incomoda muito. Mas tenho muito orgulho de ver cada vez mais mulheres nordestinas ocupando espaços. A arte é política — no canto, na roupa, no gesto. E a gente tem nomes incríveis aí como Raquel Reis, Juliana Linhares, Lucy Alves… é massa ver isso acontecer.

Sarah: E o forró? Ele é ponto de partida ou lugar de retorno?
Joyce: O forró me criou. Ele me leva pra um lugar de acolhimento, de memória, de família reunida. Mesmo hoje cantando pop e MPB, o forró é raiz, é casa. Casa Coração existe por isso — porque o forró me leva de volta pra casa, pras festas juninas em família, pras quadrilhas improvisadas. É lugar de pertencimento.

Sarah: Quais manifestações da cultura popular mais atravessaram sua identidade artística?
Joyce: As festas populares de Pernambuco, principalmente o São João. Apesar de amar o Carnaval, foi a época junina que mais mexeu comigo — pelas letras românticas, pelos artistas que me influenciaram, como Flávio José, Petrúcio Amorim, Dorgival Dantas… Isso moldou meu jeito de escrever, de cantar, de sentir a música.

Sarah: Como você enxerga o apoio dos veículos de comunicação às mulheres artistas do low e midstream?
Joyce: Acho que a visibilidade tem crescido, mas mais pela nossa luta do que por iniciativa dos veículos. Ainda vivemos numa sociedade muito machista, e isso se reflete na abordagem das entrevistas, na forma como olham pra gente. Já avançamos muito, mas ainda tem um caminho longo. O importante é que a gente tá ocupando esses espaços com força.

Sarah: Se você pudesse criar uma política pública cultural voltada para mulheres como você, o que seria prioridade?
Joyce:
Eu criaria algo voltado às meninas que estão se tornando mulheres e que sonham com a música, mas acham que não é possível. A música precisa ser mais acessível. Eu só segui porque tive aulas de graça. E hoje, pra quem já tá na estrada, precisamos de mais editais, de políticas que acolham quem se desdobra pra seguir com a arte. Muitas desistem por falta de estrutura. Então, tudo se resume à acessibilidade.

Curta Joyce Alane e Lucy Alves!

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Sarah Mascarenhas é jornalista no rádio e criadora do programa Hora do Sabbat, onde escuta e amplifica vozes de mulheres nas artes e na vida. Produz conteúdos com afeto, estratégia e compromisso com a transformação.

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