Recentemente viralizou nas redes sociais a minissérie britânica Adolescência, da Netflix, que mostra a gravidade do crescimento da misoginia no “universo masculino” digital. A trama gira em torno de Jamie Miller, um estudante de 13 anos que é preso sob acusação de assassinar violentamente uma colega de classe.
Longe de ser um problema apenas fictício, presenciamos diariamente os diversos tipos de agressões misóginas contra as mulheres nas diferentes esferas que cercam a nossa vida. Um exemplo é a declaração do senador Plínio Valério (PSDB-AM), em 14 de março de 2025, quando ele insinuou a vontade de enforcar a Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva: “Imagina vocês o que é ficar com a Marina seis horas e dez minutos sem ter vontade de enforcá-la?”, se referindo ao discurso da Ministra durante sessão da CPI das ONGs no Congresso.
Curiosamente, o senador foi autor da Lei n.º 14.164, de 2021, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para incluir conteúdo sobre prevenção da violência contra a mulher nos currículos da educação básica, e instituir a Semana Escolar de Combate à Violência contra a Mulher. Após a declaração misógina, o parlamentar obteve um pedido de cassação por falta de decoro assinado por Túlio Gadelha (PE), Benedita da Silva (PT-RJ), Duda Salabert (PDT-MG), Enfermeira Ana Paula (Podemos-CE), Gisela Simona (União-MT), Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Laura Carneiro (PSD-RJ), Maria Arraes (Solidariedade-PE), Tabata Amaral (PSB-SP) e Talíria Petrone (PSOL-RJ). Houve também uma forte reação contrária nas redes e na imprensa.
Muitas coisas a serem levadas em conta diante dessa situação: o Brasil vive hoje uma verdadeira guerra contra as mulheres na esfera da política institucional (mas não apenas), além da crescente violência política de gênero direcionada às mulheres na política, é preciso considerar agravantes essenciais dessa violência, que são os marcadores sociais de raça e classe – lembrando, também, que Marina é uma mulher negra ativista pela causa ambiental. O que leva um senador a expressar tão livremente, na esfera pública, a sua vontade de violentar uma ministra, que não lhe oferece qualquer perigo?
Tanto a série Adolescência quanto a violência política de gênero sofrida por Marina Silva nos mostram que a misoginia crescente na sociedade e nas plataformas digitais está custando muito para a vida das mulheres. Dois projetos de lei buscam amenizar essa situação: o PL 2630, de 2020, denominado Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, estabelece normas, diretrizes e mecanismos de transparência para provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada a fim de garantir segurança e ampla liberdade de expressão, comunicação e manifestação do pensamento – com a influência do lobby das bigtechs, houve o esvaziamento da proposição do PL 2630, de 2020, e ele se encontra parado desde o início de 2024. Um dos elementos que permite essa situação, é a campanha de desinformação de parlamentares da extrema-direita, que afirmam que o texto iria censurar a circulação de certas passagens bíblicas na internet, entre outras coisas.
E o PL 370, de 2024, que inclui uma majorante no crime de violência psicológica contra a mulher quando cometido mediante uso de inteligência artificial ou qualquer outro recurso tecnológico e aumenta a pena cominada ao crime de divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia. Sobre essa norma, Ana Carolina Araújo, pesquisadora em dados e gênero e redatora da Revista AzMina, mostra que embora a aprovação dessa proposta pareça positiva, além de tratar de crimes cometidos por adultos, a norma pessoaliza a responsabilidade do delito. Isto é, obviamente o indivíduo que comete o crime é responsável, porém não trata-se de um processo individual, é preciso considerar a responsabilidade das grandes plataformas de mídias digitais, que faturam bilhões de dólares com a circulação de conteúdos machistas, misóginos, racistas – entre outros tipos de violências –, consideradas inocentes.
Diversos estudos apontam que os algoritmos das bigtechs, como X (antigo Twitter) e TikTok, favorecem conteúdos violentos, misóginos e preconceituosos. O Núcleo Jornalismo, em parceria com a Revista AzMina, realizou um monitoramento durante dois meses no TikTok, com o objetivo de entender se o feed da plataforma, popular entre crianças e adolescentes, contribui para a radicalização política, para analisar como as redes sociais influenciam o comportamento de meninos e adolescentes, foram criados dois perfis fictícios na plataforma: o de João, nascido em 2009, e o de Kaio, nascido em 2010 — saiba mais sobre os desdobramentos do monitoramento na reportagem de Flávia Santos e Sophia Schurig “Como o TikTok alimenta a misoginia entre adolescentes brasileiros”, disponível em https://azmina.com.br/reportagens/como-o-tiktok-alimenta-a-misoginia-entre-adolescentes-brasileiros/.
A Revista AzMina aponta, também, que o algoritmo das plataformas expõem meninos a conteúdos misóginos de forma gradual, influenciando sua visão de mundo e reforçando estereótipos de gênero, consumindo repetidamente vídeos com discursos machistas e conservadores, eles assimilam ideias que normalizam a desvalorização das mulheres. Dados da SaferNet, organização que atua na defesa dos direitos humanos na internet, confirmam o potencial misógino da plataforma, o TikTok está entre os 10 domínios online mais denunciados no mundo por violência ou discriminação contra mulheres desde 2020, ocupando o primeiro lugar em 2021 e 2022.
Longe de ser um problema individual: além da socialização machista e estrutural que os meninos e adolescentes são criados na sociedade, os algoritmos também pesam muito em relação às opiniões que eles formam durante a juventude. Apesar disso, ainda é importante que pais e responsáveis, assim como a escola como instituição de socialização e formação de cidadania, mantenham a vigilância sobre os conteúdos que as crianças e jovens estão recebendo e, consequentemente, assimilando. Sabemos que essa não é uma tarefa fácil, e que o caminho não é culpabilizar mulheres que criam seus filhos sozinhas, envoltas nas tarefas profissionais e domésticas, fica difícil acompanhar as mudanças tecnológicas e o que os filhos (e filhas) estão acessando online, por isso é tão importante que haja a responsabilidade e regulamentarização das plataformas em garantir a segurança e a proteção dos adolescentes no ambiente online.

Giovanna Chistoni é estudante de Ciências Sociais na USP. Fez iniciação científica em Ciência Política, pesquisando a introdução do voto feminino na América Latina. Possui interesse em estudos de gênero e feministas, com foco nos direitos políticos femininos. Escreve semanalmente sua coluna Mulheres e Política para o Hora do Sabbat.