18 de Maio: Luta Antimanicomial e a saúde mental das mulheres

“Cuidar não é aprisionar. É escutar. É estar com. É resistir.”

No Brasil, o dia 18 de maio marca a Luta Antimanicomial, um movimento que denuncia as práticas violentas da psiquiatria institucionalizada e propõe novas formas de cuidar do sofrimento psíquico. Mas essa luta não é apenas sobre saúde mental — é também uma luta por memória, justiça e liberdade, sobretudo para as mulheres, que historicamente foram encarceradas, silenciadas e patologizadas por não se adequarem às normas patriarcais.

Manicômios: prisões travestidas de cuidado

A história da psiquiatria está profundamente marcada por instituições que mais pareciam prisões do que espaços de cuidado. Os manicômios surgiram como resposta àquilo que a sociedade não queria ver: o sofrimento, a diferença, a rebeldia.

Muitas vezes, ser mulher e sofrer era motivo suficiente para o internamento. Mulheres diagnosticadas com histeria, depressão pós-parto, epilepsia, ou mesmo consideradas “rebeldes”, “imorais”, “difíceis” ou “promíscuas”, eram isoladas e submetidas a tratamentos desumanos: eletrochoques, camisas de força, contenções, medicamentos em excesso e até violência sexual.

Anchieta: o manicômio de Santos

Na cidade de Santos (SP), o Hospital Colônia Anchieta foi palco de muitas dessas histórias apagadas. Fundado em 1930, o Anchieta funcionou por décadas como um dos principais hospitais psiquiátricos do estado, recebendo pacientes de várias regiões. Foi desativado apenas no início dos anos 2000, após denúncias de violações de direitos humanos.

Um dos cômodos do Anchieta, antigo manicômio santista / Fotos de Carlos Nogueira e Arquivo da PMS

Durante sua longa trajetória, o Anchieta abrigou centenas de mulheres. Muitas foram internadas contra a própria vontade, por motivos que hoje jamais justificariam o afastamento de alguém do convívio social. Há relatos de mulheres abandonadas por suas famílias, esquecidas em pavilhões insalubres, privadas de afeto, de identidade e de voz.

Projeto TAMTAM: arte, afeto e inclusão

No mesmo espaço onde funcionava o Anchieta, nasceu um dos projetos mais potentes da cidade: o Projeto TAMTAM. Criado no final dos anos 1980, o TAMTAM surgiu como uma resposta criativa e sensível à exclusão promovida pelo manicômio. Utilizando teatro, música, oficinas e ações culturais, o projeto promove até hoje a inclusão de pessoas com deficiência e em sofrimento psíquico.

Ali, onde antes havia silêncio e dor, há agora riso, movimento e criação coletiva. O TAMTAM é prova viva de que o cuidado em liberdade não só é possível — como é infinitamente mais humano.

Com oficinas, apresentações e ações em escolas, praças e eventos culturais, o TAMTAM rompe muros, transforma estigmas e fortalece a cidadania. É arte como ferramenta de reconstrução de subjetividades.

A reforma psiquiátrica e a resistência das mulheres

A partir da década de 1980, profissionais da saúde, familiares e sobreviventes iniciaram o movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira, com base nos princípios da desinstitucionalização e do cuidado em liberdade. O marco dessa luta foi o Encontro dos Trabalhadores da Saúde Mental em Bauru, em 18 de maio de 1987.

Nas últimas décadas, o país avançou com políticas públicas como:

  • Criação dos CAPS, que oferecem acompanhamento psicossocial próximo da realidade das pessoas;
  • Fechamento gradual de hospitais psiquiátricos;
  • Implementação das residências terapêuticas;
  • Construção de uma rede de atenção psicossocial que reconhece o sofrimento como parte da vida — e não como algo a ser trancado.

Mas esse processo ainda enfrenta retrocessos, cortes de verba e tentativas de retorno ao modelo manicomial, disfarçado por novas roupagens.

Saúde mental das mulheres: escuta, acolhimento e justiça

Para as mulheres, cuidar da saúde mental não pode ser desvinculado da luta contra:

  • O machismo estrutural, que culpabiliza mulheres por seus sentimentos e dores;
  • O racismo, que marginaliza ainda mais mulheres negras e indígenas;
  • A violência doméstica, que adoece, isola e silencia;
  • A maternidade compulsória e solitária, que sobrecarrega e esgota emocionalmente.

As mulheres adoecem em contextos de opressão. E por isso, a cura não está nos remédios apenas — está no vínculo, na escuta, na partilha, na autonomia e no cuidado coletivo.

Um cuidado que liberta

Neste 18 de maio, fazemos memória das que foram esquecidas nos corredores frios dos manicômios.
Honramos a resistência de quem ousou gritar mesmo quando tudo ao redor pedia silêncio.
E reafirmamos: nenhuma mulher em sofrimento psíquico deve ser isolada. O cuidado é um ato político.

A luta antimanicomial continua — e ela é também feminista.
E, em Santos, ela dança, canta e cria através do TAMTAM.

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