Na edição anterior da coluna Mulheres e Política, falei um pouco sobre o 27 de abril, Dia Nacional da Trabalhadora Doméstica. Ainda na temática do trabalho, venho falar um pouco sobre o 1º de maio, dia que marca lutas históricas por melhores condições de trabalho para homens e, principalmente, mulheres.
O 1º de maio é um feriado global e oficializado no Brasil em 1924, em um contexto de crescimento do movimento operário. O feriado é originado de uma greve ocorrida em Chicago (EUA), que terminou na tragédia de Haymarket, com bombas e mortes. Contextualizando, na década de 1880, estava acontecendo a Revolução Industrial, as fábricas se multiplicavam em todo o mundo, impulsionadas por máquinas e produção em massa, os trabalhadores e as trabalhadoras enfrentavam jornadas de 12 a 16 horas diárias, em condições insalubres e com salários que mal garantiam a sobrevivência, além disso, era permitido o trabalho infantil e não haviam leis para proteger os operários. Em 1 de maio de 1886, milhares de trabalhadores e trabalhadoras participaram de marchas e manifestações exigindo a jornada de 8 horas diárias, um comício em 4 de maio na Praça Haymarket para protestar contra a violência policial foi cenário de uma tragédia, 180 policiais chegaram na praça para dispersar a multidão, que desencadeou em um tiroteio caótico. O caso Haymarket vira não apenas símbolo da luta, mas um exemplo de injustiça contra movimentos trabalhistas.
Friso “trabalhadores e trabalhadoras” porque é comum achar que as mulheres não estavam presentes na Revolução Industrial, mas elas estavam. Sabe-se que o mundo por muito tempo operou na lógica do “espaço público é coisa de homem” e “espaço privado e doméstico é coisa de mulher”, milhões de mulheres foram submetidas ao trabalho doméstico e de cuidado, é importante salientar que há, sim, uma divisão racial nessa divisão. Na ideologia burguesa que permeia a sociedade capitalista, as mulheres brancas de classe média eram as donas de casa, alocadas no lugar de servir seus maridos por toda a sua vida, em contraposição, isso não quer dizer que todas as mulheres eram “apenas” donas de casa, haviam as mulheres imigrantes brancas que realizavam trabalho assalariado e haviam também mulheres negras que realizavam o trabalho forçado de produção na economia escravagista.
“Como a propaganda popular representava a vocação de todas as mulheres em função dos papéis que elas exerciam no lar, mulheres obrigadas a trabalhar em troca de salários passaram a ser tratadas como visitantes alienígenas no mundo masculino da economia pública. Fora de sua esfera “natural”, as mulheres não seriam tratadas como trabalhadoras assalariadas completas. O preço que pagavam envolvia longas jornadas, condições de trabalho precárias e salários repulsivamente inadequados. A exploração que sofriam era ainda mais intensa do que a de seus colegas homens. Nem é preciso dizer que o sexismo emergiu como uma fonte de sobrelucro exorbitante para os capitalistas.” (Angela Davis. “A obsolescência das tarefas domésticas se aproxima: uma perspectiva da classe trabalhadora” em Mulheres, Raça e Classe. São Paulo, Boitempo, 2016 [1981].)
Trabalho assalariado, trabalho não remunerado, trabalho doméstico, trabalho de cuidado. Esses são uns dos muitos exemplos de trabalhos que estão presentes diariamente na vida das mulheres Brasil afora. De acordo com Bia Farrugia, da Revista AzMina, um dos maiores desafios é a sobrecarga de trabalho, o acúmulo de responsabilidades domésticas e de cuidados com filhos, familiares, maridos… funções tradicionalmente atribuídas às mães, filhas, esposas, irmãs, tias, pelo patriarcado. A dupla ou tripla (ou muito mais) jornada compromete a saúde física e mental das mulheres, e limita as possibilidades de ascensão profissional. Apresentou abaixo algumas movimentações legislativas no Brasil que tentam corrigir as desigualdades no ambiente de trabalho:
- Aprovação na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara do PL 386/202, que prevê ampliação da licença-maternidade e do salário-maternidade;
- Apresentação do PL 1566/2025 para incentivar mulheres com mais de 50 anos no mercado de trabalho;
- Voto favorável da relatoria na Comissão do Trabalho na Câmara ao PL 5138/2023, para garantir licença a quem acompanhar mãe solo no nascimento ou adoção de um filho;
- Aprovação na Comissão de Comunicação do PL 2777/2024, sobre os direitos das mulheres do setor de telemarketing;
- Voto favorável do relator na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), ao PL 1648/2020, que estende o prazo da licença-maternidade e o recebimento do salário-maternidade quando um recém-nascido prematuro fica internado;
- Análise da Comissão de Direitos Humanos do Senado do PL 2774/2022, que reduz a jornada de trabalho de mulheres com filhos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Síndrome de Down; na mesma sessão, a comissão também pode analisar o PL 2436/2022, que concede jornada de trabalho especial, sem prejuízo do salário, a quem tenha filho ou dependente com deficiência.
No Brasil, durante o governo Vargas, na década de 1930, o 1º de maio ganhou um novo caráter, com anúncios de políticas trabalhistas e a criação da Consolidação de Leis Trabalhistas (CLT), em 1943. O feriado é marcado não apenas por relembrar que as conquistas trabalhistas vieram com muito sangue e suor, mas também é uma data de comemoração, celebrações sindicais, shows e, principalmente, descanso. Recentemente, vi no instagram @traduagindo um post extremamente interessante sobre o necessário ato de descansar, com base no texto “Um Dia Longe”, de Maya Angelou, confira o texto completo em: https://traduagindo.com/2025/04/07/maya-angelou-um-dia-longe/. Destaco um trecho, que vale o compartilhamento:
“Toda pessoa deve passar um dia longe. Um dia em que vai separar conscientemente o passado do futuro. Empregos, amantes, parentes, patrões e amigos conseguem existir por um dia sem qualquer um de nós e, se nosso ego nos permitir confessá-lo, poderiam existir eternamente na nossa ausência. Cada pessoa merece um dia no qual nenhum problema é enfrentado, nenhuma solução é procurada. Cada um de nós precisa se afastar das inquietações que não se afastam de nós.”
Outra produção que vale o compartilhamento, também, é a curta-metragem “Chão de Fábrica” (2021), de Nina Kopko. A curta, retratada em São Bernardo do Campo, 1979, o ano das greves que sacudiram o ABC paulista, mostra a história de quatro operárias, que almoçam dentro de um banheiro de uma fábrica: “Nas icônicas fotografias da greve de 79 do ABC Paulista, quase não vemos mulheres. Nós nunca esqueceremos que estivemos lá”. A curta está disponível gratuitamente no Itaú Cultural Play.

Giovanna Chistoni é estudante de Ciências Sociais na USP. Fez iniciação científica em Ciência Política, pesquisando a introdução do voto feminino na América Latina. Possui interesse em estudos de gênero e feministas, com foco nos direitos políticos femininos.