Aline Bei: a escritora que “borda palavras”

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Aline Bei: a escritora que “borda palavras”

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Estou na Livraria Megafauna, em São Paulo, para o lançamento do livro “Uma delicada coleção de ausências”, o terceiro livro da autora, editado pela Companhia das Letras, após um intervalo de três anos sem publicar.  

É junho e faz frio. Mas o auditório está lotado para ouvir Aline Bei. Após o bate-papo uma fila quilométrica se forma para reverenciar a autora.  Aguardei 1h45 pelo autógrafo, foto e abraço. Ao mesmo tempo em que me perguntava o que causa esse efeito de admiração e devoção nas pessoas diante de uma autora e de uma obra.

Aline recebe a todos com muita paciência e afeto. Há leitores de todas as idades e de ambos os sexos. Confesso que quando conheci pessoalmente Aline Bei fui capturada por sua doçura, fala macia e habilidade com a palavra escrita e falada. É tão bom ouvir Aline como lê-la. Ela causa esse efeito de torpor na gente.

Bonito de ver tanta gente interessada em literatura – em um país que tem a tradição de pouca leitura – e reverenciando uma mulher escritora. Dá um quentinho no coração.

“Uma delicada coleção de ausências” – um dos best-sellers da Feira do Livro em São Paulo -explora os desafios da convivência familiar entre mulheres de diferentes gerações. Neste livro, a autora volta a explorar temas como maternidade e infância. Acompanhamos o encontro de três mulheres – neta, avó e bisavó – que vivem sobre o mesmo teto, enquanto lidam com as complexidades da convivência, os traumas, o legado familiar, os afetos e a solidão.

Autora do premiado “O peso do pássaro morto”, seu romance de estreia (em 2017), vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura e do prêmio Toca, e do “Pequena Coreografia do adeus” (finalista do Prêmio Jabuti em 2021) seu novo livro se junta ao que a autora nomeia de “trilogia involuntária”.

Paulistana, formada em Letras pela PUC e em Artes Cênicas pelo teatro-escola Célia Helena, começou a escrever aos 21 anos. “Só depois me auto proclamei escritora, que é um gesto super político, bastante performático e difícil de fazer, especialmente para as mulheres”.  

Aline Bei sabe como ninguém “bordar as palavras”. Tem uma narrativa que captura ao mesmo tempo em que consegue desenhar uma imagem do texto no papel.  Costuma dizer “ser uma escritora mais da ordem do silêncio e do vazio do que da expressividade”. 

Foto: Patrizia Corsetto

Conversei com ela por ocasião da gravação do podcast “Entre Elas” – que vai ao ar pela Rádio Cultura de Curitiba – e também disponível no Spotify. Reproduzo aqui a nossa conversa inspirada e tão desejada. Falamos do processo de escrita, construção de personagens, o contato com a literatura e a formação de leitores.

HS – Você é atriz e chegou a atuar. Como é esse encontro da atriz com a escritora?

Aline BeiÉ um desencontro quase. Porque eu comecei a escrever quando eu parei de fazer teatro. E eu demorei um tempão para perceber em mim que a minha atriz não tinha ido embora e também que ela de certa forma estava contemplada pelo gesto da escrita de uma maneira difícil de elaborar até hoje para mim. Mas é quase como se eu não tivesse saído do teatro. Eu encontrei na escrita um lugar de vocação que eu não conhecia e uma liberdade que o teatro não me dava, porque o teatro é uma arte mais complexa no sentido das pessoas envolvidas para que aquilo aconteça. E a escrita não é uma arte que se faz sozinha, mas ela pode ser feita com alguma autonomia que o teatro não consegue dar. A escrita tem uma espécie de silêncio e discrição que me ajudava a continuar sendo artista de uma maneira quase clandestina. E, esteticamente, o prazer que ela me dá é tão grande quanto o teatro. 

HS – No teatro, a gente tem a “quarta parede”, que é a plateia. Na literatura, o leitor faz esta função?

Aline Bei Eu gosto muito da “quarta parede”. Na literatura, de alguma forma, quando o narrador insere o leitor na narrativa, no texto, quando ele olha de volta ele não está sendo só olhado. Me interessa muito incluir o leitor, mas o meu modo de inclusão, por enquanto, tem sido um modo de sedução para que o leitor entre na minha narrativa e experimente vivenciar o que está sendo proposto não no sentido passivo de leitura, mas que ele possa se sentir parte daquilo. E, isso, acaba acontecendo de forma sutil na minha narrativa a partir do momento em que há um envolvimento emocional com a história que está sendo contada. Se o leitor embarca na narrativa ele tem uma fruição pelo meu texto mais prazerosa. A dramaturgia segue viva em mim. Continuo me inspirando nos dramaturgos e dramaturgas para escrever. O teatro continua fazendo parte. 

HS – Como foi o seu primeiro contato com a literatura? O que você lia? Para ser uma escritora é preciso ser uma ávida leitora?

Aline BeiEu comecei a ler por interesse próprio. Minha família não tinha o hábito da leitura e continua não tendo, mesmo depois de um ter me tornado escritora. Eu sempre fui muito curiosa e o livro parecia carregar alguma coisa que eu queria saber. A biblioteca da escola foi por muito tempo um espaço afetivo onde eu podia alugar os livros que eu queria ler. Mas eu sofria em ter que devolvê-los. Mas ao mesmo tempo a possibilidade de compartilhar com alguém as histórias que eu lia me trazia uma felicidade enorme. As minhas leituras quando criança eram Pedro Bandeira e Harry Potter (que marcou muito a minha geração). Lembro da expectativa de aguardar a publicação de mais um livro da série. Depois, quando comecei a fazer teatro, me interessei pelos clássicos. Li Machado de Assis e Clarice Lispector, esta última, uma referência fundante no meu trabalho. Nelson Rodrigues, Terence Williams, dramaturgos que me marcaram muito, entre outros. Naquela época, eu ainda não escrevia, mas ler esses autores me ajudou a entender e a moldar a minha palavra no espaço.

HS – Onde nasce o seu texto?

Aline Bei O meu texto não nasce desse lugar da intelectualidade, ele nasce de uma outra coisa que é, inclusive, permeada pelo silêncio, pela falta, pela ausência, pela dificuldade de dizer, pela necessidade da poesia, mas também pelo acontecimento. Alguma coisa nos toma para que a escrita aconteça na sua melhor forma. Sou adepta dos cadernos. Acredito que um espaço selecionado para a escrita é especial. Gosto da fisicalidade do objeto, da letra. Eu acho que letra e voz são coisas espelhadas. Acho que a caligrafia e a voz têm seu próprio temperamento. Escrever uma palavra com a nossa letra é agarrar a palavra. Meu primeiro passo em um processo de escrita parte das minhas anotações. Da observação de mundo, das lembranças. A leitura nos ajuda a lembrar da vida. Quando eu começo a escrever no computador é porque já tenho o livro bastante pensado e elaborado. 

HS – Prosa e poesia ou prosa ou poesia?

Aline BeiEu gosto de chamar o meu texto de texto. Eu amo a poesia, eu amo a prosa. Mas eu acho que toda vez que a gente tenta classificar a gente perde, pois tem uma questão de fronteira importante, que não é só da prosa, mas que também é da oralidade. Acho que o meu texto tem um vínculo grande com a palavra falada e também tem uma questão do teatro como símbolo, como metáfora. A dramaturgia como procedimento. Acho que o romance, como costumo chamar os meus textos mais longos, é mais libertador. O conto é mais rígido até mesmo pela brevidade do texto. 

HS – Uma palavra…

Aline Bei Eu gosto de muitas. Gosto dos substantivos, apesar do verbo ser muito importante. Mas acho a palavra “infância” linda. Ela é sonora, é uma palavra que envolve o meu olhar. Ela engloba um universo imagético muito importante para mim que parece não se esgotar em nenhum desses livros que eu publiquei, nem no que escrevi agora. 

Saiba mais:

Uma delicada coleção de ausências

Companhia das Letras

288 páginas

R$ 69,90

Ouça no Spotify

Projeto Entre Elas – episódio 135

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