Devaneios lúcidos sobre o câncer e a morte

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Devaneios lúcidos sobre o câncer e a morte

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Sempre que fico sabendo que alguém está com câncer, seja uma pessoa do meu convívio, uma conhecida minha, parente de alguém que conheço ou pessoa famosa, sou tomada por uma tristeza inexplicável. Essa doença é um câncer. Ela chega no mais profundo silêncio e quando resolve gritar, grita muito alto, muito forte, como se dissesse: “Não está vendo que eu estou aqui? Pois agora você verá”. E você é obrigada a escutar e a ver. Eu mesma escutei e vi muitas vezes, querendo tampar os ouvidos e os olhos, em um profundo ato de ignorância consciente. 

Primeiro, minha avó materna, depois minha tia, depois minha outra tia (por duas vezes) e minha mãe (também duas vezes). Dessa conta, o saldo é muito negativo. Primeiro, se foi minha avó, depois uma das minhas tias e por último, minha mãe. O que fica, além da saudade, são as memórias das cenas profundamente marcantes onde as via definhando dia a dia, sem poder fazer nada além do alcançável. 

Escrevo sobre isso porque primeiramente, é saudável colocar pra fora e em segundo lugar, pela recente e gigante comoção – minha e do Brasil inteiro – ao ver a cantora Preta Gil se despedindo desse plano, tão cheia de vida e vontade de viver. Mas o câncer não quer saber disso, ele é egoísta e quer te levar embora. Tão ardiloso, que se você o derrotar, ele une os seus pequenos vestígios e se forma novamente, voltando mais forte pra te buscar de vez. Foi assim com a Preta, foi assim com a minha mãe e provavelmente, foi assim com alguém que você conhece.

Gostaria de saber lidar melhor com a morte, assim como Gilberto Gil. Ele colocou a necessidade da presença carnal de lado e pensou que acima de qualquer desejo seu, tinha alguém sofrendo muito e isso é o bastante para dizer “se não está dando pra ficar, então vá, minha filha”. E Preta foi. Querendo ficar, mas foi. As pessoas que se vão por essa doença não tem muita escolha. Aliás, qualquer doença, qualquer fatalidade… Torno a pensar no quão difícil é aceitar e compreender que quem se vai, não estará mais oferecendo o seu calor e a sua palavra para quando chegarmos, nas conquistas e derrotas. O luto dói principalmente aí, no dia após dia preenchido de vazio. 

Ainda que essa doença continue levando os nossos sem dó nem piedade, deixo aqui uma frase do próprio Gil que coloca essa sensação de perda em seu devido lugar para que não nos paralise: “A morte é uma rainha que reina sozinha”. E ainda que meu pensamento limitado esteja preso à presença, sei que há uma imensidão por aí e creio que encontros terrenos hão de retornar em qualquer lugar desses espaços, pois a gente não vive e se conhece aqui à toa. 

Dedico esse texto a todos e todas que perderam entes queridos, sobretudo para o câncer. 

Dedico também aos fãs de Preta Gil.

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Respostas de 3

  1. Que texto! Sempre elogio os seus textos mas esse me tocou de maneira profunda pois minha mãe também faleceu com conta dessa doença é o seu texto é a descrição perfeita. Obrigada por tanto e por tudo!

  2. Que texto! Sempre elogio os seus textos mas esse me tocou de maneira profunda pois minha mãe também faleceu com conta dessa doença é o seu texto é a descrição perfeita e um abraço e saber que não estamos sozinhas.

  3. O câncer é uma doença cheia de signos, cheia de tabus. Até mesmo seu nome é evitado. Ler esse texto sensível nos faz entender um pouco dos sentimentos de quem precisa encarar a doença de muito perto. Muito bom!

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