O feminismo na cena da música independente floresce como uma potência silenciosa que redefine o modo como criamos, consumimos e nos relacionamos com a arte sonora. Desde o despertar urgente do riot grrrl nos anos 1990 até as assembléias virtuais que hoje conectam rodas de conversa em canais de mensagem, mulheres, pessoas trans e não-binárias reaprendem a ocupar espaços outrora inacessíveis, costurando, no ritual de gravar um demo em home studio ou de organizar um festival de bairro, as bases de uma nova economia afetiva. É nesse universo DIY — onde cada fita-cassete trocada, cada zine xerocado e cada post no feed traz embutido o poder de autogestão — que se afirma um caminho de liberdade, pautado na sororidade e na perplexidade criativa.
Nem tudo, porém, é terreno intuitivamente fértil. A falta de mecanismos institucionais que garantam patrocínio equitativo faz com que a celebração dessas vozes independentes precise sempre driblar orçamentos curtos e redes de contato restritas. Ao mesmo tempo, a inexistência de códigos de conduta claros em muitos palcos alternativos mantém vivas situações desconfortáveis de assédio, cujo relato — quando não engavetado pela estrutura de poder — encontra apenas o amparo de coletivos autônomos, que se organizam para oferecer suporte emocional e jurídico. Nesse dilema, a cena indie revela sua contradição mais crua: a busca incansável pela liberdade artística enfrenta, no cotidiano, as mesmas viezes de gênero que ela propõe manifestar e combater.

É nessa encruzilhada que desponta o trabalho de artistas como Marina Peralta, à frente do projeto Pluma, cuja poesia sonora é expressão de um desejo coletivo de reconstrução afetiva. Em suas letras, a leveza melódica contrasta com a densidade de temas urgentes, enquanto sua presença em rodas de conversa enfatiza a importância do cuidado mútuo entre criadoras. De maneira semelhante, Maju Saito, com o Nomes da Rua, rompe a barreira técnica ao compartilhar, via e-book, métodos de gravação em home studio — gesto político que estimula a autossuficiência de quem não se vê representado em estúdios tradicionais.

O horizonte aponta para a consolidação de políticas culturais que abracem recortes de gênero e raça, para parcerias duradouras entre instituições e selos independentes, e para curadorias de playlists ou festivais online que respeitem a pluralidade das vozes emergentes. Celebrar o feminismo na música independente é reconhecer que, mais do que uma pauta de inclusão, ele é um convite à reinvenção de todas as cadeias produtivas. E, se hoje o som pulsa em cabines caseiras e palcos comunitários, resta a nós, ouvintes e participantes, fazer ecoar essas vozes, compartilhando histórias, ampliando narrativas e deixando claro que o lugar de todas é onde a liberdade sonora se faz permanente.

Maria Eduarda é uma Jornalista e Hoteleira em formação. Apaixonada por shows, eventos, música, entretenimento e arte, está sempre engajada e antenada no que acontece por aí e ama repassar o que descobre
Uma resposta
Que texto maravilhoso! Amei!