Passei alguns meses na companhia de “Por uma crítica feminista – leituras transversais de escritoras brasileiras”, da professora e pesquisadora Eurídice Figueiredo. Sim, foram meses. Só de analisar o sumário e ler a introdução, concluí que não seria livro pra ler, mas sim, estudar. O trabalho, tão minucioso, me mostrou que havia e ainda há muito o que conhecer e aprender sobre literatura escrita por mulheres.
“A proposta deste livro é de mapear a produção literária de autoria feminina, sobretudo dos séculos XX e XXI, sem deixar, porém, de lançar um olhar sobre as precursoras oitocentistas, com o intuito de detectar as mudanças operadas na maneira de tratar de suas experiências familiares, corporais e sexuais.”
Sem delongas, Eurídice abre a introdução do livro explicando objetivamente a que veio: mergulhar num estudo detalhado que respondesse de que forma as escritoras brasileiras se posicionam frente a temas ligados à corporeidade. E propõe um mergulho cuidadoso nas interconexões entre feminismo e crítica literária, provoca reflexões acerca das representações femininas construídas ao longo da história da literatura e como essas construções muitas vezes (ainda) perpetuam desigualdades, mesmo escritas por mulheres. Eurídice Figueiredo nos abre os olhos para justamente tentar iniciar um processo de desconstrução dessas narrativas e exercitar novas formas de leitura que valorizem as vozes femininas e experiências silenciadas.
Para alcançar esse feito, a autora leu uma centena de títulos de romances, novelas, contos, das canônicas às mais atuais, e elaborou uma síntese crítica de 384 páginas, um rigor intelectual e uma profundidade de pesquisa notáveis, que oferecem um panorama vasto e representativo da presença (e da ausência) das mulheres no padrão literário brasileiro.
Dividido em cinco partes, o trabalho de Eurídice Figueiredo trata de gênero, cânone, ancestralidade, sistema patriarcal, erotismo, gravidez, aborto, maternidade, estupro, incesto, menstruação, TPM, relações abusivas, automutilação, prostituição, lesbianidade, velhice. Nessa diversidade de temas, a autora identifica modelos, contrastes e nuances nas representações femininas ao longo do tempo, além de mapear as formas como autoras foram marginalizadas, como suas obras foram lidas (ou não lidas) sob uma perspectiva masculina, e como a crítica feminista se torna essencial para resgatar essas vozes e propor novas interpretações.
“As autoras têm demonstrado cada vez maior liberdade na escrita ficcional de aspectos que envolvem seus corpos.”
Uma preciosidade que nos apresenta obras importantes que nunca (ou quase nunca) são citadas e também nos reapresenta obras celebradas, sob seu olhar afiado, numa escrita habilidosa, de fácil compreensão. Fiz descobertas maravilhosas sobre autoras já conhecidas e fui atrás de outras tantas, de quem não tinha ouvido falar. Alguns títulos me chamaram tanto a atenção, que comprei ainda durante a leitura e fui lendo e estudando, acompanhada pela crítica de Eurídice Figueiredo. Um trabalho que revela compromisso com a causa feminista e com a literatura, que traz não apenas análise teórica, mas reflexão e orientação de aprofundamento sobre autoras e obras muitas vezes esquecidas.
Excelente leitura, boas surpresas, imprescindível para quem estuda feminismo e literatura escrita por mulheres.

Giovana Damaceno é jornalista e escritora, de Volta Redonda, interior do Rio. Publicou “Do lado esquerdo do peito” (2013), “Alguém pra segurar a minha mão” (2020) e “Justa causa” (2022), todos pela Literalux. Escreve crônicas, contos, artigos e resenhas em seu blog pessoal. Membro do Coletivo Feminista Literário Mulherio das Letras, desde 2017.