Ser mãe no Brasil

Todo dia das mães eu lembro da frase “Quando uma mãe perde um filho, todas as mães do mundo perdem um pouco também”, do ator Paulo Gustavo, no filme Minha Mãe é Uma Peça. É claro que o dia das mães pode ser sim um dia de felicidade, celebração e confraternização em família, mas quando penso no nosso cenário e nas implicações de ser mãe no Brasil, dificilmente consigo ser otimista. Nas violências cotidianas do nosso país, milhares de mães perdem suas filhas e filhos todos os dias, mas o problema não é “apenas” esse, as violências nos atravessam em vida também, com os desafios ao direito ao aborto seguro e legal, ao acesso à livre-circulação pela cidade, à verdadeira qualidade de vida.

Em agosto de 2023, Giovana Madalosso, colunista da Folha, publicou o texto Se você é mãe de mulher no Brasil, em um trecho ela diz o seguinte: “Todos os dias, cerca de 200 filhas de mulheres são estupradas no Brasil. Sendo que mais da metade é menor de 13 anos.”. Não consigo não lembrar do recente caso, que repercutiu em todo o Brasil, do assassinato da estudante da USP Bruna Oliveira, 28, na saída da estação de metrô e trem Corinthians-Itaquera. Bruna era mãe de uma criança de 7 anos e era filha de Simone. O caso de Bruna, que não é isolado, evidencia a falta de políticas públicas voltadas à segurança das mulheres paulistanas. Em 2024, São Paulo bateu recorde de feminicídios. Mais do que meros números, essas mulheres perdem suas vidas por negligência do Estado. Quantas eram mães? Quantas eram filhas? Quais são seus nomes? O que elas gostavam de fazer? Trabalhavam com o que? Quais eram seus planos para o futuro?

Entre o Dia das Mães de 2024 e a mesma data de 2025, ao menos 20 mil crianças nasceram no Brasil com registro apenas do nome da mãe, segundo levantamento da CNN com base em dados do Portal da Transparência do Registro Civil. O Brasil tem hoje 11 milhões de mulheres que criam seus filhos sozinhas. A maioria delas trabalha em jornadas de trabalho 6×1, ou melhor, 7×0, já que na realidade essas mulheres somam a jornada de trabalho fora de casa com os trabalhos de cuidado e domésticos – de acordo com o IBGE, 85% do cuidado do lar é de responsabilidade feminina, e isso se estende também ao cuidado com a família. Mais de 90% das mães brasileiras vivenciam o esgotamento mental e o sentimento de sobrecarga. A luta pelo fim da jornada 6×1 é fundamental quando falamos sobre as mulheres, não é normal as mães estarem sempre exaustas, é urgente a redução da carga de trabalho para as mulheres terem o tempo necessário para descanso, autocuidado, estudos, lazer e equilíbrio emocional e saudável entre vida pessoal e trabalho.

Além de um moralismo e de uma falsa preocupação com mulheres “mães” de bebês reborn, por que não há essa preocupação toda com as mães que transformam em luta a perda de suas filhas e seus filhos? Com mulheres gestantes, mães lactantes ou de crianças até 12 anos, acusadas de crimes sem violência mantidas em prisão preventiva (apesar de, após 2018, isso ser ilegal)? Com mães vítimas de violência vicária que sofrem com a Lei de Alienação Parental? Com as 20 mil meninas menores de 15 anos vítimas de abuso sexual que se tornam mães? Com as mães que precisam abdicar de seus planos profissionais e estudos para seguirem com uma gravidez indesejada? Com as mães que não aceitam seus filhos LGBTQIA+ por conta de projetos de poder político de ódio, construídos por líderes religiosos e políticos de grupos odiosos?

No Brasil, quando falamos “Feliz dia das mães”, quais mães estão celebrando esse dia? Para além do plano individual – isto é, é claro que se você, leitora, é mãe, você pode e deve celebrar esse dia com suas filhas e filhos –, tenhamos em mente que o “Feliz dia das mães” não é para todas. E, como feministas, devemos manter a atenção para quais são as mulheres que sofrem com um dia das mães nada feliz. Uma semana após o dia das mães, desejo que todas as mães possam viver com dignidade sua maternidade e que todas as pessoas possam decidir quando e se desejam ser mães.

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