Uma lúcida embriaguez sobre o envelhecimento

Saudações alagoanas! Escrevo do Caribe brasileiro e venho dançar nesta ciranda com vocês, minhas queridas leitoras. Me chamo Míriam e estou aqui para falar de tudo um pouco, principalmente sobre devaneios latentes e sobre música, uma das minhas maiores paixões. 

Costumo dizer que minha escrita é uma lúcida embriaguez, pois falo de um lugar de muita consciência, mas sempre divagando como uma boa pisciana. Além disso, a “lúcida embriaguez” é uma definição que uso emprestada de uma canção da minha ídola e musa do rock nacional, Rita Lee, chamada “Caçador de Aventuras” (deixo o link para você ouvir). E por falar nela, não poderia iniciar minha dança nessa roda sem falar sobre a relevância dessa mulher para a música brasileira. 

Deixo aqui para você ouvir

Evitarei os clichês, as obviedades, pois sabemos que Rita foi muito importante sim para o movimento tropicalista, para o enfrentamento da ditadura – Lee foi a cantora mais censurada da época de chumbo – e para a representação feminina na música, sobretudo na linha de frente de bandas com membros majoritariamente masculinos. 

Quero trazer aqui a leveza e beleza com a qual Rita amadureceu. Segundo ela em entrevista ao programa Fantástico, existem duas maneiras de envelhecer: correndo atrás da juventude ou valorizando o aprendizado que o tempo traz. Que fique claro o livre arbítrio de quem escolhe correr atrás da juventude não está em questão, afinal é o livre arbítrio. Eu quero focar sobre o aprendizado que Rita teve com o tempo e como ela perpetuou isso até o último dia de sua vida. 

Para começar, eu volto lá atrás no álbum conhecido como “Todas as mulheres do mundo”, lançado por Rita Lee em 1993. No auge de seus 40 e tantos anos e certamente se aproximando da menopausa, Rita lançou uma música chamada “Menopower” e olha, eu confesso que não sei se esse nome foi uma alusão ao suplemento de mesmo nome que reduz os sintomas da menopausa, mas acho que a canção surte o mesmo efeito das cápsulas. Explico: “Menopower” é uma música que levanta o debate sobre a chegada da menopausa e, de forma sagaz, as sensações que se apresentam com ela, agindo diretamente nos ovários e no coração da “velha senhora que só vai ficar mocinha no cemitério”.  É admirável pensar que no começo dos anos 90, onde as percepções femininas eram – e ainda são – silenciadas, alguém colocou a boca no microfone para dizer que isso existe e tá tudo bem, pior que passar por isso é a morte. 

Volto aos anos 2000 e tantos e trago um discurso de amadurecimento muito consciente de Rita, dessa vez sobre a vida que viveu intensamente. No programa “Conversa com Bial”, ela é perguntada sobre o uso exacerbado das drogas na juventude e responde na lata esbanjando seus belíssimos cabelos grisalhos e com a franjinha de sempre: “Entrei em todas e saí de todas, mas não faço discursinho de ‘Madalena arrependida’ não, as melhores músicas eu fiz alterada e as piores também”. 

Eu acredito que essa é uma das grandes belezas do envelhecimento: não negar o que se foi, pois o que se foi é um pedágio caro para o caminho do que se é. 

Rita nunca negou seus fracassos de outrora, seja em relacionamentos amorosos, em parcerias profissionais ou com ela mesma e é essa serenidade que a tornou uma grande sábia, além de uma grande letrista. 

E para finalizar, por falar em serenidade, é linda a destreza com a qual ela encarou o “Jair” de frente, o câncer que a acometeu e ela assim o nomeou (irônica até em momentos difíceis). Escreveu um livro sobre essa fase da sua vida com muito sarcasmo, mas também com muita consciência de que foram momentos perversos. A astúcia que só o amadurecimento traz é falar sobre o muita gente tem medo enfrentar e assim Rita Lee o fez, como uma verdadeira porta voz das mulheres da geração 70, 80, 90, 2000 e por aí vai… 

Como Luz Del Fuego, não tinha medo. Ela também foi pro céu cedo”. 

Míriam Pimentel é jornalista pela Universidade Federal de Alagoas, amante da cultura pop, apaixonada por música e pisciana com ascendente em peixes que ama escrever devaneios lúcidos e crônicas embriagadas, não necessariamente nessa ordem e quinzenalmente escreve sua coluna Lúcida Embriaguez para o Hora do Sabbat

Respostas de 4

  1. Texto envolvente, cativante desses que a gente nem percebe o tempo passar ao ler! Muito bom 🩷

  2. Preciso dizer que amo seus textos, não é de hoje, sempre admirei, e acho que nunca me cansarei!! Como é lindo ver você enaltecendo sua musa, sua idola, eu gostei bastante do seu tom descontraído e cheio de personalidade, se não fosse assim, não seria você!! Sem clichê, só verdades! Ler seu texto me faz lembrar que envelhecer é acumular histórias, não rugas. E me faz lembrar dessa música:
    Tem lugares que me lembram
    Minha vida, por onde andei
    As histórias, os caminhos
    O destino que eu mudei….

    Já quero o próximo texto!!!!

  3. “…não negar o que se foi, pois o que se foi é um pedágio caro para o caminho do que se é.”

    Essa frase pode ecoar em todos os cantos das nossas psiques por anos!!

    Amei seu texto Miriam! Feliz de estarmos juntas nesse blog!! <3

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