Na jornada da vida conhecemos pessoas que nos enche de luz e nos abrem caminhos para enxergar a vida sobre novas perspectivas, com mais leveza e mais profundidade, aceitando nossas missões seja ela qual for, e refletindo sobre o valor que damos às coisas, aos momentos e as pessoas que amamos. Trago essa introdução para falar de uma pessoa muito especial, e que, portanto, escolho falar em primeira pessoa em demonstração de carinho e agradecimento ao universo por esse encontro tão bonito e inesperado. Estou me referindo à uma mulher iluminada, que nasceu com uma das missões mais lindas, mas também desafiadora, estou falando de Antônia, mas conhecida como Tonha Rezadeira da comunidade Côvoco de Umari, agreste pernambucano.
Pensem numa mulher sábia, forte, corajosa, bem humorada, conselheira, observadora, atenciosa, religiosa, romeira, parteira, rezadeira, mãe, vó, bisavó e tataravó. Ela é tudo isso e muito mais, são 117 anos aceitando sua missão aqui na terra, ouvindo as pessoas, rezando e abençoando com a força da sua fé todos aqueles que precisam. Uma mulher que dedicou uma vida inteira praticando sua fé, cuidando do próximo sem cobrar nenhum valor financeiro. Que riqueza termos entre nós pessoas que representam luz nesse mundo em que temos visto tantas violências, desigualdades, e a falta de políticas públicas que desumanizam o nosso povo. Dona Tonha é, sem sombra de dúvidas, uma grande anciã de sua comunidade, que está sendo estudado para ser reconhecido como quilombo, graças a visibilidade que ela tem trazido para seu território através de sua missão.
Escrever sobre Dona Tonha é um grande privilégio e ao mesmo tempo um desafio, principalmente quando há uma admiração e um amor profundo entrelaçado pelo fio do destino, que o universo deu um jeito de juntar, estava escrito antes mesmo que eu soubesse, é assim que a vida é, que sorte a minha e a nossa conhecermos sua história, sua devoção espiritual, seus conhecimentos da medicina popular, seus ensinamentos pessoais de quem viveu mais de um século e vivenciou tantos momentos históricos do nosso país, momentos esses que lemos nos livros, vemos nos filmes, mas não vivenciamos como ela.
Dona Tonha é dona de um olhar profundo de quem viveu muita coisa nessa vida, de quem viu o tempo passar em épocas tão distantes, detentora de uma sabedoria ancestral que perpassa gerações e que mantém de pé tradições que salvaguardam a história e a memória do nosso povo, da espiritualidade e da força ancestral que ela carrega dentro de si, e da sua generosidade com todas as pessoas que a procura e a visita em seu lar. Ela é uma contadora de história maravilhosa, basta você chegar e sentar em seu sofá, que vocês conhecerão um pedacinho de sua história e de suas caminhadas da zona da mata sul até o agreste pernambucano.
Dona Tonha
Ser rezadeira e parteira é o que lhe preenche a vida
É sua missão escolhida, desde pequenina
Quando aos sete anos fez seu primeiro parto
Apresentando ao mundo mais uma vida
Também conhecida por ser rezadeira
Por trazer em sua voz a sua fé de romeira
Cantando pra Padre Cícero com admiração e certeza
Rezando com muita fé a quem dela precisa
É generosidade em pessoa, dona de um bom coração
Nunca nega uma reza em qualquer ocasião
Observa a estrada, da varanda de sua casa
Espiando da janela de seu grande coração
Dona Tonha é assim
Não tem dia e nem tem hora
Pra rezar e dar a benção aqueles que precisar
De uma cura ou de uma prosa
Não importa a hora, basta você chegar
Pra ela lhe abençoar
Dona Tonha me disse certa vez que “quem nasce com a ciência, reza até morrer”, e aí está ela com seus 117 anos fazendo o bem, cuidando e abraçando as dores de quem chega pedindo ajuda, e sorrindo pra vida por uma caminhada tão bem vivida. Dedico esse texto à Dona Tonha e sua família, que também se tornou a minha, e que tem me inspirado e me feito enxergar tantas coisas bonitas da vida.
Documentário: Dona Tonha e sua Ciência Encantada