Juliana Belo Diniz – O que o psiquiatras não te contam

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Juliana Belo Diniz – O que o psiquiatras não te contam

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A compreensão da psiquê é limitada porque a ciência ainda não evoluiu o suficiente ou porque há algo do humano que nunca será compreendido? Quais são os mitos e ilusões que cercam a psiquiatria? Qual leitura podemos fazer sobre a medicalização da vida cotidiana, a produtividade a todo custo e o hiperdiagnóstico de TDAH? 

“O que os psiquiatras não te contam” critica a tendência de reduzir a saúde mental a problemas cerebrais e a prescrição de medicamentos como única solução. A psiquiatra e psicanalista Juliana Belo Diniz, autora do livro, aposta na relação entre médico e paciente e na abordagem mais humana e integral da saúde mental. Ela é doutora em psiquiatria pela USP e especialista em pesquisa clínica pela Universidade Harvard. É pesquisadora do Serviço de Psicoterapia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas em São Paulo. 

HS – O que é a psiquiatria, como ela funciona e quais são os seus limites?

Juliana Belo Diniz – O que trago no meu livro “O que os psiquiatras não te contam” é a ideia de desmistificar o fato de que a medicina tem super poderes. Temos visto o avanço na área da oncologia com tratamentos que realmente estão salvando vidas o que acaba dando uma sensação de que nós sabemos muito e que temos pleno domínio sobre as doenças e seus tratamentos. Só que a psiquiatria é uma especialidade médica diferente de todas as outras porque o objeto de estudo dela é diferente, uma vez que estamos falando da psiquê e não do cérebro. Temos a especialidade médica do cérebro, que é a neurologia, mas a psiquiatria é outra coisa. A psiquiatria não se tornou uma atividade da neurociência. A psiquiatria surge no auge do iluminismo, ela nasce dentro do manicômio, vai evoluindo e há uma primeira tentativa de associá-la com a questão do funcionamento cerebral. A tentativa de associar os transtornos psiquiátricos às questões do cérebro acaba falhando miseravelmente. Na primeira metade do século 20, a gente tem uma associação entre a psicanálise e a psiquiatria que modifica completamente a psiquiatria que também é muito influenciada pela filosofia. Ainda que, em alguns casos, a gente possa ter algum ganho com tratamentos ultra tecnológicos, não será algo que vamos usar em grande escala, pois esses tratamentos não serão capazes de mudar o sofrimento emocional, pois ele faz parte da existência. Os remédios são uma ferramenta, mas não são o tratamento inteiro. Os tratamentos envolvem acolhimento, afeto e a própria relação terapêutica. 

HS – Houve um aumento nos diagnósticos de transtornos psiquiátricos?

Juliana Belo Diniz – Vale dizer que os transtornos psiquiátricos não são doenças do cérebro. O sofrimento emocional é resultado da influência de vários fatores. Pode ser que fatores biológicos pesem bastante para algumas condições, mas outros fatores também vão fazer parte da equação. Em relação ao excesso de diagnósticos é preciso ressaltar que eles são baseados em um consenso, em uma lista de sintomas. O critério para classificar algo como doença é o quanto ela te faz sofrer. O que acontece é que os manuais de diagnósticos foram absorvidos pela cultura de uma forma muito tosca. O que quero dizer com isso é que a lista de sintomas acaba estabelecendo uma verdade incontestável e cientificamente comprovada, sem a possibilidade de discussão. 

Transtornos psiquiátricos como depressão, ansiedade e pânico não podem ser reduzidos a doenças do cérebro que se resolvem apenas com redução de sintomas. A ideia de que é o nosso cérebro que nos faz sofrer é alimentada por tendências nas redes sociais e pela busca por soluções rápidas. Eu defendo uma psiquiatria ampliada e que vai além da medicalização e das fórmulas prontas, uma abordagem mais singular que considere o impacto das mudanças sociais e não apenas os sintomas cerebrais. 

HS – Quando em psiquiatria falamos em ajuste de medicação ou ajuste de dose, estamos falando exatamente de quê?

Juliana Belo Diniz – Estamos falando de algo construído dentro de uma relação terapêutica. E em tentativas e ajustes, muitas vezes, conseguimos alguns ganhos que fazem parte da relação médico-paciente. A gente não consegue isolar o efeito do remédio. O que fazemos é legitimar o sofrimento. 

HS – O que pode colaborar com a democratização do acesso à psicoterapia?

Juliana Belo Diniz – Precisamos mesmo democratizar o acesso à psicoterapia. Para isso, podemos ampliar e fortalecer a rede de saúde pública e valorizar os profissionais dentro dos sintomas, os mantendo motivados e vinculados às instituições nas quais já trabalham. Quanto mais um trabalho humano é valorizado, mais as pessoas terão interesse em realizá-lo. O que, somado à ampliação do acesso à formação, ajudaria a reduzir qualquer potencial falta de psicoterapeutas nos sistemas de saúde. 

HS – Como a busca por hiperprodutividade vem incentivando autodiagnósticos como o do de déficit de atenção e causando uma explosão nas vendas de remédios estimulantes?

Juliana Belo Diniz – O aumento na venda de remédios estimulantes acende um alerta. Entre 2014 e 2021, o aumento relativo de prescrições de Venvanse (lisdexanfetamina) originalmente usado para tratar o TDAH foi de mais de 500%. O medicamento virou moda entre jovens, adolescentes e executivos que buscam combater a procrastinação e aumentar o foco e o desempenho. Hoje se chama de déficit de atenção coisas que são da experiência humana, e se a gente começar a medicar a experiência humana, isso não tem fim. O diagnóstico alivia o sofrimento, mas pode empobrecer a vivência.

HS – Qual o poder da escuta?

Juliana Belo Diniz – O ato da escuta tem um papel terapêutico que o remédio não pode substituir. O maior objetivo de uma consulta não é discutir o que prescrever, é escutar. Se você já conheceu alguém que se define a partir de um diagnóstico psiquiátrico, já se deparou com o quanto os rótulos podem ser relevantes para como as pessoas falam de si mesmas. Isso nos faz entender melhor os efeitos dos rótulos diagnósticos e o que acontece quando esses nomes passam a fazer parte da cultura. 

Saiba mais:

“O que os psiquiatras não te contam”

Editora Fósforo

Juliana Belo Diniz

290 páginas 

Preço: R$ 76,22

Ouça a entrevista completa no Spotify do Entre Elas – episódio 136

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