Tem algo profundamente errado quando nós, mulheres negras, adoecemos em silêncio dentro das escolas. Quando carregamos para a universidade o mesmo sentimento de não-pertencimento que conhecemos ainda na infância. Quando a força que o mundo exige de nós custa nossa saúde mental, nossos sonhos e, em casos extremos, até nossas vidas.
Não, isso não é exagero. É a realidade que muitas de nós conhecemos bem.
Recentemente, uma menina negra foi encontrada desmaiada no banheiro de uma escola particular. Segundo relatos, ela vinha enfrentando episódios de racismo e isolamento. E por mais duro que seja admitir, essa história não surpreende tantas de nós. Porque sabemos que a escola, para muitas meninas negras, não é um lugar seguro. É um espaço onde muitas de nós aprendemos, cedo demais, a nos esconder, a nos calar, a resistir sozinhas.
A exclusão que vivemos é sutil, mas constante. Está nos olhares atravessados, nas piadas sobre o nosso cabelo, no silêncio diante das nossas conquistas. Está nos livros que não falam de nós, nas salas onde somos minoria, nas vozes que tentam nos calar. E então crescemos aprendendo que ocupar um espaço não significa, necessariamente, ser acolhida por ele.
Essa invisibilidade não é apenas simbólica — ela tem consequências reais. Muitas de nós enfrentamos evasão escolar, baixa autoestima, sofrimento psicológico silencioso, e adoecimentos emocionais que se arrastam por anos. E, infelizmente, esse cenário não muda quando entramos na universidade.
Ali, seguimos sendo desafiadas a provar nossa existência. Enfrentamos a solidão acadêmica, o racismo institucionalizado, a pressão de sermos perfeitas o tempo inteiro. Somos cobradas para representar, resistir, sobreviver — muitas vezes sem rede de apoio, sem escuta, sem descanso.
E é aí que adoecemos. Sentimos ansiedade, depressão, crises de pânico, exaustão. Pensamos em desistir. Algumas de nós, infelizmente, pensam até em partir. E as instituições? Muitas vezes falham conosco. Não nos enxergam. Não nos protegem. Não estão preparadas para nos acolher.
É preciso dizer isso com todas as letras: o racismo nas escolas e universidades nos adoece. Nos silencia. E, sim, nos mata.
Mas a escola pode — e deve — ser também um espaço de cura. Quando a cultura negra é reconhecida, respeitada e celebrada nos conteúdos, nos projetos, nos livros e nas rodas de conversa, algo muda. Quando vemos nossos ancestrais, nossas histórias e nossas vozes sendo valorizadas, algo dentro de nós se
fortalece. Nós começamos a entender que não há nada de errado em sermos quem somos.
Quando professores e professoras se comprometem com uma educação antirracista, eles fazem muito mais do que cumprir uma lei: eles nos mostram que temos lugar no mundo. Eles ajudam meninas negras a entenderem sua força, sua beleza, sua potência. Eles constroem pontes para que deixemos de sobreviver e possamos, enfim, viver com liberdade.
Por isso, este texto não é só um desabafo. É um chamado. Um grito coletivo. Porque não dá mais para normalizar o sofrimento das nossas. Não dá mais para fingir que está tudo bem enquanto seguimos adoecendo.
Nós, mulheres negras, precisamos ser vistas. Precisamos de escuta verdadeira, de acolhimento, de segurança emocional. Precisamos de políticas públicas que garantam permanência estudantil, saúde mental, representatividade. Precisamos de educação que afirme nossas identidades e não tente apagá-las.
Se você, como eu, já se sentiu sufocada, apagada, ferida — saiba: você não está sozinha. Você não está exagerando. Você não precisa carregar tudo isso calada. Existe rede de apoio. Existe cuidado. Existe afeto. E você merece tudo isso.
E se você ocupa outro lugar — como educadora, gestora, mãe, colega — entenda: você também tem uma responsabilidade aqui. O combate ao racismo não é opcional. É urgente. Começa no conteúdo, mas precisa chegar na prática. Na escuta. Na ação. No afeto.
Porque todas nós — todas nós — merecemos mais do que sobreviver.
Merecemos existir com dignidade. Crescer com orgulho. Viver com leveza.
E garantir isso não é só tarefa de quem sofre. É missão de quem está disposta a transformar.

Tay Oliveira é Pedagoga com pós-graduação em Psicopedagogia, poetisa e escritora. Com obras publicadas em antologias como ‘Mapeam 2024’ e ‘Além das Palavras 2025’, é também participante e idealizadora do Sarau Libertários, um espaço de expressão artística e literária. Como colunista semanal do blog Hora do Sabbat , compartilha reflexões e pensamentos sobre cultura, arte e sociedade.”