Janja e o primeiro-damismo

“Janja causa polêmica em…”, “Janja quebra protocolo”, “Confira a agenda de Janja”, “Janja gasta milhões em…”. Com quantas notícias sobre a Janja você se deparou nas últimas semanas? Será que a Janja é tão ruim assim? Por que o nome de Janja está sempre em alta?

Antes de ser conhecida como Janja, esposa do atual presidente Lula, Rosângela Silva é uma cientista social formada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e especialista em História, atuou como docente colaboradora do Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Ao lado de outros colegas docentes, ela ajudou a desenvolver um projeto de extensão universitária na periferia de Ponta Grossa, chamado Cidade Viva. Ela também possui MBA em Gestão Social e Sustentabilidade, e trabalhou em empresas da iniciativa privada, com foco em programas voltados para o desenvolvimento sustentável.

Rosângela da Silva filiou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT) em 1983, aos 17 anos, quando começou a se mobilizar nas campanhas das Diretas Já e nos comícios do partido como militante política, conhecendo Lula nos anos 90. Anos depois, ela chegou a trabalhar na liderança do PT na Assembleia Legislativa do Paraná. Entre as principais pautas defendidas por Janja, estão a proteção dos animais e os direitos das mulheres, além da proteção à infância e o combate à exploração sexual de crianças e adolescentes – ela está envolvida na campanha Faça Bonito, promovida pelo Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes e pela Rede ECPAT Brasil, em parceria com as Redes Nacionais de Defesa dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes.

Janja e Lula começaram seu relacionamento em abril de 2018, quando o ex-presidente já havia se tornado viúvo de Marisa Letícia Lula da Silva, sua segunda esposa, falecida em fevereiro de 2017. Após a prisão de Lula, ela o visitava com frequência na sede da Polícia Federal (PF) em Curitiba, tendo a primeira visita ocorrido no Dia dos Namorados de 2018. Em 1 de janeiro de 2023, tornou-se a trigésima oitava primeira-dama do Brasil, e a segunda primeira-dama a acompanhar um governo de Lula, em seu terceiro mandato na presidência do país.

O nome de Janja é envolto em polêmicas desde muito antes da posse de Lula. A prisão de Lula em 2017, o envolvimento romântico entre Lula e Janja, o casamento, outras aparições públicas: tudo que Janja fazia e faz incomoda muito. Em uma pesquisa rápida, a personalidade de Janja é descrita por uma série de adjetivos negativos: ciumenta, controladora, bastante protetiva e até invasiva. As ações de Janja também são constantemente alvo de preocupação nas manchetes: “Janja muda de visual”, “Janja vira meme”, “Janja cria incômodo na campanha”, “Internautas ironizam roupa de Janja”, “Janja vai ao jogo do Palmeiras”, “Janja segue como obstáculo para Lula”, e até “O sumiço de Janja”. Além disso, quando pesquisamos imagens de Janja, as pesquisas relacionadas nos mostram os seguintes tópicos:

Pesquisas relacionadas às imagens de Janja. Autoria própria.

Tudo isso tem nome: violência política de gênero. Mas antes de chegar na violência, o que se espera de uma primeira-dama? Por que Janja não agrada nem a direita nem a esquerda? Estudos sobre o papel das primeiras-damas como figuras construídas por meio das estratégias empregadas no jogo político e nas relações de gênero, demonstram a relevância de uma posição histórica e socialmente construída por meio de um planejamento político racionalmente idealizado, que associa a participação destas mulheres no Estado por meio de diferentes ações assistencialistas e cerimoniais, orientadas pelos papéis tradicionais de gênero, tais como questões sobre a família e a maternidade, as primeiras-damas tornam-se agentes dos programas políticos relevantes e essenciais para o jogo político, promovendo discussões e movimentando a opinião pública.

Ou seja: a figura da primeira-dama é construída, a primeira-dama não é um título oficial, nem dispõe de cargos prerrogativos ou direitos exclusivos, mas exerce (ou pode exercer) papéis de destaque na administração de seus cônjuges, perpetuando uma das dicotomias baseadas na desigualdade de gênero, isto é, o homem “racional” é Presidente da República e a mulher “sentimental” é a primeira-dama da Nação. Janja reconhece-se como uma mulher feminista e ativamente discursa sobre isso, inclusive o “cancelamento” mais recente sobre ela foi a ocasião de seu questionamento ao líder chinês Xi Jinping, quando ela, teoricamente, pediu a palavra durante a reunião e constrangeu as autoridades estrangeiras ao dizer que o TikTok, plataforma chinesa, possui um algoritmo que favorece conteúdos misóginos e de direita – versão que foi desmentida pelo presidente Lula e por ela.

Antes de Janja, quem era a primeira-dama do Brasil era Michelle Bolsonaro, que não apenas contribuiu para o papel tradicional das primeiras-damas, mas perpetuou o discurso de estar “ajudando” Bolsonaro em seu governo, já Janja afirmou em um evento ao lado de Lula, que não pretende ser “ajudadora” do marido – uma referência à fala da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Não que Janja seja revolucionária e esteja destruindo completamente os papéis de gênero esperados para uma primeira-dama, mas é evidente que uma primeira-dama que reivindica-se como feminista, incomoda. O que se espera de uma primeira-dama? Apenas isso, uma espera. Quem deve responder pelos problemas institucionais e políticos do país não é a primeira-dama.

Janja, infelizmente, não é a única mulher feminista, ou aliada às questões das mulheres, nem mesmo a única mulher na política, de esquerda ou direita, que sofre com a crescente violência política de gênero que afasta as mulheres dessa esfera no nosso país. Em 2015, presenciamos adesivos com a imagem da ex-presidenta (primeira e única) Dilma Rousseff com as pernas abertas na entrada do tanque de gasolina dos carros, os adesivos foram criados “como um protesto contra o aumento dos preços da gasolina”, circularam na internet e foram vendidos no Mercado Livre. Montagens horríveis, declarações machistas, discursos violentos, analogias de estupro, ameaças, todas essas violências são presentes na vida de mulheres que ousam entrar e desafiar os papéis que esperam de nós na política institucional do nosso país.

Contribui para a discussão sobre o primeiro-damismo nos anais do evento V Seminário MaRIas, realizado em 2024. Aqui, eu falo um pouco sobre nossa ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro em perspectiva comparada com a ex-primeira-dama argentina Eva Perón, além disso, faço referências a outros estudos que investigam as figuras políticas e sociais dessas mulheres. O texto, intitulado Entre a representação e a estratégia política: os casos de Eva Perón e Michelle Bolsonaro, está disponível na página 43, ou 45 do PDF.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *