Mira: moda capixaba, sustentável e consciente em tempos de crise climática

Você está lendo

Mira: moda capixaba, sustentável e consciente em tempos de crise climática

Compartilhar artigo

Escrito por

Uma rápida pesquisa sobre moda nos buscadores logo revela as principais tendências: desfiles das Fashion Weeks e uma enxurrada de referências estéticas.

Mas a moda, em seu sentido mais amplo, é muito mais do que roupas e passarelas. Ela atravessa práticas culturais, estéticas e comportamentais, do modo de vestir aos estilos de vida. E justamente por ser uma prática social, cabe a pergunta: quem é a moda diante da crise climática?

É um momento propício para refletir sobre as ações e os impactos da moda, e para pensar em formas de reinventá-la evitando agravamentos da crise climática. Estamos a menos de dois meses da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que acontecerá em Belém (PA) e reunirá líderes de todo o mundo para discutir medidas urgentes contra a emergência climática. É hora de propor mudanças e de lançar luz sobre os fatores que mais prejudicam o planeta.

Enquanto o mundo busca soluções, o Brasil convive com uma contradição: o PL nº 2.159/2021, conhecido como “PL da Devastação”, avançou no Congresso. Embora parte do texto tenha sido vetado pela Presidência, o projeto ainda preocupa por reduzir exigências de licenciamento ambiental. Mas afinal, qual é a relação da moda com essa discussão? Explico.

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a indústria da moda responde por 8% das emissões globais de gases de efeito estufa. Isso equivale a um caminhão de roupas incinerado ou descartado em aterros a cada segundo. Todos os anos são geradas 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis, e cerca de 11% do plástico descartado no mundo vem de roupas e tecidos, um número que dobrou entre 2000 e 2015.

Grande parte desse descarte segue sem infraestrutura adequada e os resíduos acabam provocando queimadas, poluição e impactos sociais profundos. Nas cidades, acumulam-se em aterros sanitários, levando décadas para se decompor e liberando gases nocivos. Não é à toa que as imagens de montanhas de roupas no deserto do Atacama, tão altas que podem ser vistas do espaço, causam espanto.

O desafio é urgente

No Brasil, o Índice de Transparência da Moda Brasil (ITMB) analisou, entre 2018 e 2023, dados socioambientais de 60 marcas e varejistas do Brasil. O diagnóstico foi direto: há avanços, mas em ritmo insuficiente diante da urgência climática e das violações de direitos humanos.

De acordo com o ITMB, o consumo global de vestuário deve crescer 63% até 2030. No Brasil, a projeção é de 8 bilhões de peças por ano, quantidade capaz de vestir a população inteira mais de 39 vezes. Tudo isso sem que exista infraestrutura suficiente para lidar com o impacto desse volume.

A indústria da moda ainda está longe de enfrentar de forma contundente seus efeitos ambientais, sociais e éticos. É urgente que as marcas promovam uma transformação real e sistêmica em toda a cadeia de produção.

Como aponta o próprio relatório do ITMB: “Qualquer pessoa, em qualquer lugar, deveria ter a possibilidade de saber como, onde, por quem e a que custo socioambiental suas roupas são feitas”. É a partir dessa provocação e pensando em alternativas para uma moda mais sustentável, conversamos com as criadoras da marca capixaba MIRA. São três mulheres que unem moda, autenticidade e sustentabilidade no desenvolvimento de peças upcycling. 

Na Mira, tudo começa pelo material disponível. A partir daí, as criadoras começam a mirabolar: transformar tecidos e peças já existentes em novas criações. Essa etapa é fundamental para o upcycling, pois aproveita o que já existe e reduz a geração de resíduos. Para elas, mirabolar é abrir espaço para infinitas possibilidades: modificar, reinventar ou customizar uma peça, conferindo durabilidade e personalidade.

Foto: Reprodução da marca

Conheça a Mira, a marca capixaba que une moda artesanal e sustentável

A Mira nasceu do desejo de inovar na moda com foco em sustentabilidade e trabalho justo. Fundada por três amigas apaixonadas por moda e arte — Daniela, Gabriella e Sofia — a marca surgiu a partir da consciência de que a indústria fashion, em seus processos tradicionais, é extremamente nociva para o planeta.

“Encontramos no upcycling a forma de unir moda, criatividade e sustentabilidade. Compramos peças de segunda mão e criamos coleções inéditas a partir delas”, explica a equipe. O método permite aumentar a vida útil de tecidos e peças já existentes, oferecendo uma alternativa ao consumo desenfreado e à produção de lixo têxtil.

Daniela, com formação em modelagem e atuação como diretora de arte, contribui tanto para a confecção quanto para a concepção visual da marca. Gabriella, figurinista e formada em produção de moda, estuda costura e aplica seu conhecimento técnico na transformação das peças. Sofia, multiartista, desenvolve estampas e peças gráficas da marca, agregando elementos criativos e experimentais.

“Apesar de cada uma ter seu repertório, os processos são coletivos. Gostamos de criar tudo juntas, cada uma contribuindo com sua experiência e personalidade”, explicam.

A Mira completa três anos no final de 2025. O crescimento é lento e meticuloso, seguindo os princípios do slow fashion. “Acompanhamos todas as etapas de produção para garantir qualidade e respeito aos profissionais envolvidos. Evoluímos a passos curtos, mas conscientes e alinhados aos nossos valores, e isso nos orgulha muito”, dizem as criadoras.

O empreendimento também proporcionou transformações pessoais e profissionais. “Acompanhar todas as etapas nos deu uma visão ampla do funcionamento da cadeia, valorizando cada profissional. Se uma etapa falha, todo o processo é prejudicado”, relatam.

Para a Mira, sustentabilidade envolve escolhas conscientes: produção em pequena escala, peças duráveis e atemporais, tecidos de qualidade, como o jeans, e incentivo ao uso contínuo das roupas. A marca reconhece as limitações de uma pequena produção: energia limpa, transporte e consumo ainda são desafios, assim como a resistência do público acostumado ao fast fashion.

“Estamos em busca do equilíbrio entre propósito e lucro. Não sentimos pressão para competir com marcas que não seguem os mesmos princípios; nosso foco é melhorar nossos processos e manter um ritmo saudável de produção”, afirmam.

O público da Mira é majoritariamente LGBTQIAPN+ e mulheres, descrito pelas criadoras como “tão únicas quanto nossas peças”. A marca também busca elevar a autoestima de quem usa suas roupas. Uma cliente contou que, antes de conhecer a Mira, não imaginava que pessoas gordas poderiam vestir o estilo das peças, mas mudou de ideia ao conhecer a marca.

A Mira se identifica com o slow fashion por não seguir necessariamente o calendário do mercado e por produzir tudo de forma manual e artesanal. A marca utiliza peças de segunda mão como ponto de partida, desfazendo algumas delas completamente para criar novas roupas com design próprio.

“Criar roupas duráveis e mostrar múltiplas possibilidades dentro de uma peça é uma forma de evitar consumo desenfreado. Recebemos peças que clientes não usam mais e transformamos em novas roupas, estendendo a vida útil das peças”, explicam.

As inspirações da Mira vêm de múltiplas fontes: garimpos de brechós, acabamentos, modelagens, etiquetas, cotidiano, experiências artísticas, cinema, literatura, animes e vivências em espaços LGBTQIAPN+ e underground do Espírito Santo.

“O público da Mira se identifica com essa visão: pessoas únicas, com atitude e que gostam de se expressar através da moda”, destacam.

Para a Mira, a moda sustentável não é apenas uma tendência, mas uma necessidade urgente para transformar uma das indústrias mais poluentes do mundo. A marca acredita que práticas como upcycling e slow fashion representam alternativas concretas para reduzir impactos ambientais e sociais, promovendo um consumo mais consciente e criativo.

Foto: Reprodução da Marca

Para conhecer mais das criações da Mira, visite a página no Instagram @_miralab. O relatório do Índice de Transparência da Moda Brasil (ITMB), citado ao longo da matéria, pode ser acessado na íntegra em: https://fashionrevolutionbrasil.org/indice-transparencia-moda-brasil/.

Escrito por

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. 
Campos obrigatórios são marcados com *

Respostas de 9

  1. UAUU!!! Eu amo o fato de estar descobrindo tantos talentos femininos e capixabas através das colunas que só a jornalista mais talentosa poderia nos apresentar. Não conhecia a marca e agora tive esse privilégio. Já estou ansiosa para descobrir mais mulheres talentosas através do olhar minucioso da Shirlane. Amei!!! 🥰

  2. Antes de ler esse texto eu ainda não conhecia o conceito de upcycling e slow fashion, achei todo esse projeto de moda capixaba muito legal !!! Como sempre trazendo temas recentes e muito importantes. Amei a escrita!!

  3. Que matéria incrível! 🤌🏾🌟
    Mais uma vez conhecendo talentos femininos e capixabas graças à Shirlane. A cada coluna eu percebo o quanto ainda tenho a descobrir do nosso estado maravilhoso e quantas mulheres com histórias incríveis temos por aqui. Não conhecia a marca e fico muito feliz em saber que temos algo tão impactante em nosso mercado da moda capixaba. Ameeeiii! 🩷

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Outras histórias que pode te interessar

Chegar à COP30 foi um caminho de costura e convergência. Tudo começou com...

Aos 13 anos, a jovem autora, Bel Ito, lança obra ilustrada por Erika...

Hora do Sabbat no pódio: escutar é celebrar, afirmar, transformar A campanha chegou...