O título que abre este texto é a fala de Lenira Maria de Carvalho (1933–2021), fundadora do sindicato das trabalhadoras domésticas de Pernambuco, em resposta a Ulysses Guimarães, então presidente da Assembleia Nacional Constituinte, durante uma conversa em que ele, como forma de expressar apoio, afirmou contar com o serviço de uma “empregada doméstica” há 30 anos e considerá-la parte de sua família.
No Brasil, no dia 27 de abril é comemorado o Dia Nacional da Trabalhadora Doméstica. A data é uma homenagem a Santa Zita (1212–1272), considerada a padroeira das trabalhadoras domésticas, ela viveu na Itália, no século XIII, e dedicou sua vida ao serviço doméstico na fazenda da família Pagano di Fatinelli, começando aos 12 anos. Santa Zita foi canonizada pela Igreja Católica e é vista como um exemplo de devoção e humildade.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil é o país com o maior número de trabalhadoras domésticas do mundo, com mais de 6 milhões de brasileiras dedicando-se aos serviços domésticos – usa-se o feminino para falar sobre as trabalhadoras domésticas, dado que elas são 92% dessa categoria – além disso, usa-se o termo “trabalhadora doméstica” no lugar de “empregada doméstica” em respeito ao posicionamento dos sindicatos e associações da categoria, tendo em vista que o termo “trabalhadora” dá maior visibilidade ao fato de que a realização das tarefas domésticas e de cuidado é uma profissão com implicações significativas na organização social do trabalho [ver tese de Larissa Margarido (2020)].
Ao longo dos anos, aconteceram diversas conquistas das trabalhadoras domésticas em termos de legislação trabalhista, os principais avanços aconteceram a partir de 2013, quando essas profissionais foram reconhecidas pelos mesmos direitos estabelecidos na Constituição de 1988 para todas as demais categorias de trabalho. A PEC das Domésticas (2013) representou uma das principais conquistas das trabalhadoras domésticas, seus sindicatos, associações, representantes e aliadas, sendo resultado de anos de forte organização e reivindicação. Entretanto, mesmo com direitos garantidos por lei, pelo menos nos 10 maiores Estados brasileiros, apenas 10% das trabalhadoras domésticas trabalham formalmente, isto é, com registro em carteira, além disso, a maior parte delas recebem menos de um salário mínimo – essas informações são do blog SOS Empregador Doméstico.
Entre os deputados que apoiaram a PEC, destaca-se fortemente o nome da deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), a maior apoiadora e defensora da PEC das Domésticas em todo o Legislativo. Benedita trabalhou como doméstica, vendedora ambulante, camelô, operária em fábrica e servente. Larissa Margarido (2020, p. 160) aponta que o reconhecimento, por Benedita, de sua posição na sociedade e das classes a qual pertence, a distancia drasticamente dos demais, seja pelo seu apoio genuíno às trabalhadoras domésticas, e pela não utilização da discussão e da aprovação da PEC por benefício próprio (pessoal e/ou político) – ela, realmente, pode ser considerada uma das representantes políticas da categoria e, consequentemente, relembrada como figura fundamental na conquista de seus direitos.
Outra importante ativista na organização política das trabalhadoras domésticas foi Laudelina de Campos Melo (1904–1991), responsável pela criação da primeira associação de trabalhadoras domésticas do Brasil, a Associação Profissional de Empregados Domésticos, em 1936. Na época, as trabalhadoras buscavam o direito de sindicalização, que lhes era negado pela Lei 19.770/1931, e a plena inclusão no sistema de seguridade social – contextualizando que a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) foi adotada em 1943, no governo Vargas, entretanto, o trabalho doméstico foi definido como uma atividade “não econômica”, o que excluiu os trabalhadores domésticos da regulamentação trabalhista.
A luta das trabalhadoras domésticas por direitos trabalhistas no Brasil é longa e fruto da articulação de mulheres majoritariamente negras e pobres. A aprovação da PEC das Domésticas representa uma conquista importante na busca por igualdade no ambiente de trabalho. A formalização das relações de trabalho é fundamental para garantir a dignidade profissional dessas trabalhadoras. Mais do que um dia para a sociedade meramente reconhecer o trabalho e importância das trabalhadoras domésticas, é um dia político de luta, em que devemos refletir e agir sobre os direitos destas profissionais e as condições de trabalho que são submetidas.
Assista o documentário Mulheres, uma Outra História (1988), dirigido por Eunice Gutman, que centra-se nos diversos aspectos da participação das mulheres no cenário político brasileiro e apresenta entrevistas com algumas das 23 mulheres (entre elas, Benedita da Silva) que foram eleitas para a Assembleia Constituinte, e conseguiram obter a aprovação de algumas de suas propostas para a Constituição Brasileira, que estava sendo elaborada na época.
Mulheres: Uma Outra História, de Eunice Gutman (1988) – FILME COMPLETO
Saiba mais sobre os direitos das trabalhadoras domésticas:
FRAGA, Alexandre; MONTICELLI, Thays. “PEC das Domésticas”: holofotes e bastidores. Revista Estudos Feministas, v. 29, n. 3, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1806-9584-2021v29n371312.
FURTADO, Gabriela. PEC das domésticas e seus efeitos sobre a informalidade no mercado de trabalho. 2019. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Ciências Econômicas) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2019. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/213476.
MANOEL, Aparecida; CARUSO, Sérgio. A importância da PEC das domésticas para consolidação dos direitos trabalhistas. Revista JRG de Estudos Acadêmicos, São Paulo, v. 6, n. 13, p. 1807–1818, 2023. Disponível em: https://revistajrg.com/index.php/jrg/article/view/791.
MARGARIDO, Larissa. Entre discursos e silêncios: a aprovação da PEC das domésticas na Câmara dos Deputados. 2020. Dissertação (Mestrado em Direito e Desenvolvimento) – Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2020. Disponível em: https://hdl.handle.net/10438/29920.
PARADIS, Clarisse; SARMENTO, Rayza. A “PEC das domésticas” e os enquadramentos midiáticos sobre o trabalho de mulheres. Sociedade e Cultura, Goiânia, v. 19, n. 2, 2017. Disponível em: https://revistas.ufg.br/fcs/article/view/48672.
ROBERTS, Madeleine. De “um pé na cozinha” a “um pé na porta”: a PEC das Domésticas no Brasil, suas oportunidades e seus desafios. Revista Mundos do Trabalho, Florianópolis, v. 10, n. 20, p. 31–59, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.5007/1984-9222.2018v10n20p31.
SANCHEZ, Beatriz. Feminismo estatal: uma análise das interações entre os movimentos feministas e o Congresso Nacional brasileiro. 2021. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.8.2021.tde-26112021-203626.