Vivemos na era da informação — e também da confusão. Basta ligar a televisão no café da manhã: os jornais espirram sangue na nossa cara, enquanto uma ameaça tensa de guerra nuclear dança ao fundo como uma trilha sonora dissonante da geração que já sobreviveu ao bug do milênio, à volta de Cristo em 2012 e ao meteoro moral das redes sociais. Há boatos de que o Anticristo já circula por aí, dependendo da timeline. Para os crédulos, há profecia. Para os céticos, só colapso.
Enquanto isso, no Spotify, um podcast discute a solidão dos que têm tudo. Boy tóxico, estética acima do afeto, jovens que não querem mais encontros — querem retornos. Não precisa ser rápido, mas precisa voltar algo. Amor com cashback. Sexo com upgrade. Amizade com cupom.
E assim, até o cardápio cotidiano virou linguagem técnica: não se come mais carne — “bate-se a meta de proteína antes do jantar”. A frieza da linguagem diz muito sobre nossa falta de calor humano. A superinformação não apenas nos distancia da ignorância, como também do outro. E das certezas, já nem se fala. As teses mal nascem e já são desmentidas — tudo muda na velocidade de um tweet, e morre com a mesma rapidez de um story mal explicado.
Imagem criada no Canva – Fernanda Azevedo
Bauman estava certo. Tudo é líquido — mas o líquido virou gosma. Gente derretida pela pressão do sucesso instantâneo. Influencers caindo do topo como quem escorrega num carrossel de relevância. Ganhou seguidor? Estoure. Subiu? Estude. Ou melhor: não estude. Afinal, pra quê faculdade se o sucesso vem em stories? Crescimento virou coisa do passado. A vez agora é do cresça já. E sem nem saber por quê.
A tecnologia, claro, é bênção. Abriu portas, encheu bolsos, viralizou humildes. Mas e quando se chega ao topo? O que fazer com tanta visibilidade sem estrutura emocional? A fama digital tem prazo de validade, e a queda é dura — e pública. A imprensa não perdoa. Os algoritmos, menos ainda.
É a geração que não quer diploma, mas exige autoridade. Que defende com unhas e dancinhas uma ideia que abandonará três dias depois com um “mea culpa” em live, dizendo: “mudei de ideia, tá, gente? Normal.” O normal virou o transitório. A coerência virou apego. E o compromisso, uma thread desatualizada.
Antigamente, levava-se uma vida para conquistar autoridade. Hoje, os gurus do marketing digital gritam verdades em tom imperativo — e soam mais arrogantes que professores universitários no terceiro café. A diferença? Os gurus têm seguidores, os professores, boletos.
Vivemos numa época em que tudo precisa fazer sentido — mesmo que nada tenha sentido algum. Uma geração que se programa, mas não sabe o que assistir. Que rola o feed como quem cava um buraco na alma. Que grava tudo, posta tudo, mostra tudo, e no fim do dia sente… nada.
Imagem criada no Canva – Fernanda Azevedo
Temos muito. Mas faltam certezas. Aquilo que as gerações anteriores deixaram como herança — valores, direções, chão — hoje se desfaz antes de completar 24 horas. Porque, ironicamente, nada se sustenta por mais de um story. E como bem alertam alguns especialistas (aqueles que ainda não foram refutados): ninguém deveria passar tanto tempo se filmando, se expondo, se explicando. E, mesmo assim, aqui estamos. Passando recibo de tudo. Tendo crise com nada. Deslizando para o vazio como quem procura resposta onde só há mais perguntas.
Bauman, se estivesse entre nós, talvez risse amargamente: “Eu avisei.”
Sim, avisou. Mas a gente estava ocupado demais tentando bater a meta de proteína.

Fernanda Azevedo se reconhece mulher, filha da mãe, filha da puta e a puta que pariu outra mulher. Taurina com ascendente em Escorpião, Lua em Peixes, distraída e controladora. Às vezes, se perde pelo caminho e deixa pedrinhas, estilo João e Maria.
Respostas de 3
Excelente texto! Provocativo e real, infelizmente…
A liquidez que faz todos se sentirem juizes!! tenho uma opinião radical sobre a sociedade da informação e do espetaculo.
Adorei seu texto, a brincadeira com as palavras, a ironia que nos faz rir pra não chorar… parabéns!